– Calor terrível, hein? Se não fosse atender cliente na loja, bem que eu bebia uma cerveja!
Falou e foi logo se abancando na mesa no restaurante ali no Centro de Abastecimento. Solicitou o prato feito, devorou-o com apetite e, depois, pediu um cafezinho, que veio em copo americano. Por fim, saiu palitando os dentes, saciado.
Em volta, a rotina. O vendedor de facas exibindo seus produtos, garantindo preço e qualidade; O pregão do vendedor de picolés que morou no Sobradinho e, há décadas, moureja no ofício; As ofertas tentadoras do grisalho que mercadeja bilhetes das loterias oficiais, com seus irresistíveis milhões em prêmios.
O ambulante motorizado que vende de tudo: cabos, tesouras, fones, cortador de unha, num repertório de opções que até sufocam o cliente. Hábil, manobra aqui, ali, avançando pelos corredores estreitos. Observando-o, a trinca de aposentados, tranquila, bebendo cerveja, falando aos berros, planejando o final de semana prolongado.
– Você não é ninguém! Quem é você? Um nada! Me respeite! Eu sou um dos mais importantes!
O bate-boca rebentou subitamente. Na verdade, um monólogo. Uns riam, o sujeito careca, lívido, tatuado, abespinhou-se. Altercava-se com um comerciante, que também ria. Ficou ali falando alto, a voz reverberando no concreto, nos painéis coloridos dos boxes. Por fim desapareceu, enveredando pelos corredores acinzentados que conduzem ao shopping popular.
Depois o movimento nos restaurantes cresceu. Barbeiros, balconistas, clientes pejados de sacolas, empresários das cercanias, um açougueiro, um mecânico de motos, todo mundo foi chegando, puxando a cadeira, escolhendo o prato-feito, devorando-o em rápidas garfadas. Outros bebiam, conversavam em gestos enfáticos, dispunham da tarde livre.
– A situação melhorou um pouco. Mas o pessoal não está vendendo quase nada! Tá todo mundo sem dinheiro!
A constatação é de um comerciante do entreposto. Segundo ele, a pandemia foi devastadora para quem vive do comércio. O pior é que os efeitos ainda não se dissiparam, conforme constatou, pesaroso:
– O povo perdeu o emprego, perdeu renda, a situação está difícil! Vamos ver se ano que vem começa a melhorar!
Falou e espichou o olhar, desalentado. No timbre da voz, porém, dançava um fio de esperança em dias melhores. Afinal, depois da apreensão pelas mortes na pandemia e com o avanço da vacinação, o Centro de Abastecimento começa a resgatar parte de sua rotina estilhaçada pela Covid-19.
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