A notícia não passou de uma mera notinha, destas que, noutros tempos, iam para os rodapés dos jornais impressos. Na verdade, quem divulgou praticamente reproduziu o texto da ocorrência, inclusive com os jargões típicos da linguagem policial. Mas a notícia, de tão pitoresca, merecia abordagem melhor, texto mais extenso, compatível com sua singularidade: em Salvador, policiais militares apreenderam 12 garrafas com frutos do mar e temperos, que seriam lançadas no Complexo Penitenciário da Mata Escura.
A apreensão foi mais ampla: além dos frutos do mar e dos temperos, os policiais do Batalhão de Guardas da Polícia Militar aprenderam aparelhos celulares, maconha, chips para os celulares, carregadores e cabos de carregadores e embalagens de papel de cigarro. A dupla que pretendia lançar os produtos embrenhou-se no matagal e desapareceu, abandonando a encomenda.
Quase todos os itens são banais em apreensões semelhantes – a maconha, os celulares e seus acessórios – e, com frequência, são apanhados em operações policiais. Mas os frutos do mar e os temperos, não. No passado, uma apreensão do gênero colocaria repórteres e editores de polícia em polvorosa: necessário apurar, porque a notícia poderia render manchete de página, chamada de capa.
Imagino que, desolados com o insosso cardápio do sistema penitenciário e saudosos da apetitosa culinária baiana, alguns presos reuniram-se e encaminharem a encomenda para seus parceiros na rua. Calculo que os frutos do mar – Camarões? Siris? Polvos? – misturados aos temperos – deduzo que havia azeite de dendê –renderiam uma moqueca que apaziguaria espíritos e resgataria uma efêmera sensação de liberdade.
Não deve ser fácil fazer moqueca na clandestinidade, numa cela de presídio. Talvez pretendessem improvisar um fogão, usando resistência de chuveiro e tijolo. Os presos brasileiros são inventivos, o noticiário frequentemente atesta. Mas o fato é que, provavelmente, a moqueca não ficaria no padrão daquelas que se comem nos restaurantes da orla soteropolitana. Cogito que, prudentes, não pretendiam preparar um bobó de camarão, prato mais sofisticado.
Todas estas especulações – trata-se de meras especulações – talvez encontrassem respostas caso os repórteres investissem numa apuração mais robusta, como se fazia noutros tempos. Hoje o noticiário policial, basicamente, se limita à reprodução da versão oficial dos fatos. Replicam até aquelas expressões técnicas, pouco comuns ao jornalismo e à sociedade. Flagranteio – o termo faz sucesso – essas palavras com muita frequência.
O fato é que a moqueca de frutos do mar no Complexo Penitenciário da Mata Escura frustrou-se. Também não entrou a maconha que renderia baseados para abrir o apetite, nem os celulares que registrariam o rega-bofe. Mas, mesmo assim, merecia matéria, como aquelas que se faziam noutras épocas…
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