O jornal Feira Hoje, que já foi o maior diário do interior da Bahia, sempre esteve presente em minha vida. Mesmo ainda menino e morando em Jaguara, onde as notícias de Feira chegavam somente pelo rádio, eu tinha acesso ao jornal desde o tempo que circulava uma vez por semana, depois três vezes e finalmente quando circulava todos os dias, à exceção da segunda-feira. Meus pais vinham fazer compras em Feira e no retorno levavam sempre uma edição. Esta aproximação era fortalecida pela ligação de meu irmão Egberto com o jornal desde o início até se tornar um dos sócios do diário junto com os irmãos Carlos e Alfredo Falcão e José Olímpio Mascarenhas, que estiveram à frente do jornal até o início dos anos 80, quando venderam para o empresário Modezil Cerqueira, que depois vendeu para o empresário Pedro Irujo junto com as rádios Subaé AM e Nordeste FM.
Lembro que ainda menino visitei suas instalações na avenida Senhor dos Passos, funcionando na parte de trás da livraria Feira Hoje, e depois na rua Visconde do Rio Branco, onde o operador da máquina de linotipo fez o meu nome numa plaquinha de alumínio e eu usava para carimbar os meus livros. Por conta dessa minha ligação, terminei indo trabalhar no jornal. Logo depois que deixei o serviço militar me aproximei do FH, onde já tinha passado muita gente boa que faz parte da história do jornalismo de Feira de Santana. Foi uma escola pra mim e para todos que tiveram a oportunidade de integrar a sua equipe num jornal que foi referência para todo o interior do estado. Minha porta de entrada na equipe foi pelo esporte. Primeiro como copidesque, um trabalho de revisão de texto do noticiário nacional do esporte que chegava através da Sport Press, uma agência de notícias especializada em fornecer conteúdo de futebol para jornais e rádios do Brasil inteiro. O material chegava pelo telex, hoje um equipamento jurássico que assim como os dinossauros não existe mais, mas que era o melhor meio de receber e enviar texto. Na verdade era como se fosse uma grande máquina de datilografia, mas o texto não tinha acentos porque vinha todo em letras MAIÚSCULAS e a pontuação muitas vezes falhava. O meu trabalho era garimpar as notícias mais importantes, fazer a correção dos acentos e pontuação, fazer cortes e ajustes e depois dar título às matérias.
Como bom boleiro, era um trabalho que me dava prazer por falar de futebol, assunto que dominava bem. Em pouco tempo surgiu a oportunidade de ir pra rua cobrir o Fluminense, até então nosso único representante no Campeonato Baiano. E lá se vão quase 40 anos que diariamente cobria treinos e acompanhava o dia a dia do Touro, meu clube do coração, sempre vivendo de esperanças em conquistar o título de campeão baiano novamente, isso em meio a tantas crises que até hoje se repetem. Cobrir o mesmo time todos os dias, convenhamos, não era tão empolgante, mas para o novato tava de bom tamanho e isso possibilitou boas experiências para o início dessa jornada no jornalismo.
Uma curiosidade pessoal na minha passagem pelo “Feirinha”. Foi lá, em maio de 1988, que fiquei sabendo que Eliana estava grávida de André, nosso primeiro filho. Estava na sala da diretora do jornal avisando que estava deixando a empresa pela segunda vez para me juntar à primeira equipe da TV Subaé, que seria inaugurada no dia 1º de junho, quando o telefone tocou. Era Eliana para me avisar que o teste tinha dado positivo. Uma alegria sem igual num momento que estava fazendo a maior mudança na minha vida profissional sem saber que perduraria por mais de 30 anos.
O jornal Feira Hoje circulou durante 27 anos, de 5 de setembro de 1970 a 09 de novembro de 1997. Foi um marco na imprensa de Feira de Santana, um jornal feito com uma proposta ousada para o interior e que tinha o respeito de toda a região, apesar das várias crises financeiras que enfrentou até deixar de circular. Numa dessas crises, alguém teve a ideia de fazer uma mudança radical na linha editorial. Um jornalista que chegou ao diário para atuar na área comercial foi alçado ao cargo de editor-chefe. Misturar comercial e jornalismo não poderia dar certo. Tem uma máxima atribuída a ACM que diz para não dar dinheiro a quem quer notícia, nem notícia a quem quer dinheiro. Achando que poderia atrair mais leitores, a estratégia do novo editor era apelar para o sensacionalismo. Entre tantas que aprontou, ele anunciou o show de Gretchen no Feira Tênis Clube – no auge do seu sucesso do bumbum rebolativo – com uma manchete de primeira página cheia de malícia e capciosa:
“200 HOMENS PARA GRETCHEN”
Os 200 homens na verdade eram a quantidade de policiais que a PM escalou para a segurança da festa. O “mandato” do editor forasteiro não durou muito e em pouco tempo o velho Feira Hoje voltou aos trilhos do bom jornalismo.
Marcílio Costa é jornalista, gerente de Jornalismo da Tv Subaé/Globo.
foto/Arquivo BF: sede do jornal Feira Hoje no bairro Muchila em Feira.