A população feirense nunca abandonou o hábito de comprar frutas, verduras, legumes e hortaliças no centro da cidade. Quando a antiga feira-livre, que acontecia nas cercanias do então Mercado Municipal, foi removida para o Centro de Abastecimento, apostava-se numa nítida especialização das atividades econômicas na malha urbana. Os feirantes, camelôs e ambulantes – com toda a sadia balbúrdia inerente à natureza de suas atividades – ficariam apartados dos nobres espaços centrais; e o comércio e os serviços – limpos, assépticos, bem-educados – solidamente estabelecidos nestes mesmos lugares, bancando civilização e modernidade.
Como se sabe, os planos da elite econômica e da burocracia cinzenta esfumaçaram-se: os vendedores foram voltando – de frutas, de verduras, de hortaliças, da infinitude de quinquilharias que hoje são importadas da China – porque havia demanda, quem circula pelo centro da cidade quer comodidade, praticidade, deslocar-se para o Centro de Abastecimento para compra miúda sempre soou como disparate.
Depois de décadas de muito conflito, zanga e reclamação – a prefeitura nunca promoveu uma mediação razoável – ressurgiu a proposta de remoção de todo o comércio informal para o festejado shopping popular e para o próprio Centro de Abastecimento, que está depauperado, em petição de miséria. É bacana a proposta da revitalização do projeto Novo Centro. Mas tinha que, necessariamente, envolver a remoção de todos os trabalhadores?
O fato é que o tema desapareceu do noticiário, mas o problema permanece colocado, insolúvel. O shopping popular até aqui não emplacou e as pessoas precisam sobreviver, sustentar suas famílias. As taxas – salgadas – tornam a permanência insustentável. E o entreposto não tem público, é só descer a rua Recife e ir inspecionar. Resta, também, o drama dos feirantes da Marechal Deodoro, que permanecem por lá, mas ainda reféns da incerteza, do risco de realocação.
Quando se pensam projetos ambiciosos, com potencial para grandes mudanças na rotina das pessoas, é bom debruçar-se a fundo, entender como elas se comportam, conhecer seus hábitos. Todo mundo sabe que, tradicionalmente, o feirense abastece-se ali pelo centro da cidade e, afinal, se não houvesse demanda, não haveria oferta. Pensar em mudar isso com algumas canetadas é complicado, sempre tende a fracassar. É o que já se desenha.
A conjuntura econômica do País é ainda mais desfavorável a mudanças bruscas, como as que se adotaram. Apesar do refluxo da pandemia e da relativa normalização da rotina, os perversos efeitos econômicos são visíveis e não devem ser superados no horizonte de curto prazo. Sobretudo com o desgoverno que está lá em Brasília.
Mesmo longe do noticiário, o drama de feirantes, camelôs e ambulantes permanece, colocando em xeque o bem-estar de milhares de famílias que dependem destas atividades para sobreviver. É bom não esquecer, principalmente porque se está às vésperas do Primeiro de Maio, dia do Trabalhador.
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