Nos últimos dias mantive contato com dezenas de pessoas. Gente que estuda a política, que faz política ou que acompanha a política com interesse profissional ou, simplesmente, exercitando sua cidadania. Ninguém – ninguém – refuta a hipótese de uma tentativa de golpe de Jair Bolsonaro, o “mito”, junto com seus acólitos, mais à frente. Pelo contrário: não há clareza sobre o sucesso da manobra, mas há, sim, uma unanimidade sobre a tentativa. De onde vem tanta convicção? Das próprias palavras do “mito” que ameaça a democracia dia sim, noutro também.
Apesar da atmosfera política envenenada, muita gente segue indiferente, ignorando os riscos evidentes, tocando sua rotina, feito alienada. Outros – aqueles que esfregam as mãos, sequiosos – aguardam o golpe e as oportunidades de praticar suas vinganças mesquinhas ou – quem sabe? – dar-se muito bem com o exêntrico e extemporâneo regime do “mito”. Caso a excrescência prospere, vão se arrojar, com calculado e teatral destemor.
O momento, portanto, não permite hesitações, nem titubeios: é necessária a defesa da democracia, pelejando pela realização das eleições em outubro e pelo respeito aos seus resultados. Tempos atrás, a frase soaria excêntrica, historicamente deslocada. A vertiginosa regressão na qual o Brasil mergulhou resgatou-a, renovando seu sentido. É sintomática deste triste momento por aqui.
Sábado passado Lula (PT) e Geraldo Alckmin (PSB) lançaram suas pré-candidaturas à presidência da República e à vice, compondo uma chapa. Superaram divergências históricas e uniram-se em nome da defesa da democracia. Muitos torceram a cara, condendando a aliança. Até aqui, ambos são os únicos que entenderam a gravidade do momento que o Brasil atravessa. Os demais pré-candidatos, pelo visto, não enxergam ou se recusam a perceber a crítica situação do País.
Uma leitura otimista não vê consistência num autogolpe do “mito”. Não há apoio externo – só notórios autocratas arriscam-se a encontros com Jair Bolsonaro – e, internamente, o cenário é funesto: inflação, fome, desemprego, pobreza, corrupção, incompetência, desmanche de políticas públicas, violência desenfreada, degradação ambiental, desrespeito aos direitos humanos, o diabo a quatro. O golpe seria dado em nome disto? Porque de outra coisa não seria.
Mas, por menos que dure, o problema é o horror de um golpe em si e suas consequências: prisões, mortes, perseguição, exílio forçado, caos social, derrocada econômica, instabilidade política e por aí vai. Sofrido, o brasileiro, coitado, não merece mais essa desgraça. Mas, caso não permaneça atento e não se disponha a lutar pela democracia e por seus direitos, verá a horda de alucinados avançando, odiosa, semeando o horror.
O “mito” e seu omisso desgoverno legaram uma montanha de cadáveres na pandemia da Covid-19. Parece que não estão satisfeitos e querem mais. Porque crer num autogolpe sem derramamento de sangue envolve a mesma credulidade de quem enxergava Jair Bolsonaro maleável, submisso à liturgia da função de presidente da República…
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