“Porque nós temos agora mais um exagero, mais uma doença nervosa: a da informação fotográfica, a da reportagem fotográfica, a do diletantismo fotográfico, a da exibição fotográfica – a loucura da fotografia”.
O título do texto – e o parágrafo acima – não refletem o espanto de nenhum cronista contemporâneo. Pelo contrário: é coisa antiga, de quase 106 anos atrás. Trata-se de texto de João do Rio (1881-1921), jornalista carioca que, atento observador do seu tempo, imortalizou diversos aspectos da vida do Rio de Janeiro no começo do século XX. A crônica foi publicada em O Paiz, no remoto 8 de agosto de 1916.
No texto, o autor confessa seu espanto com o fenômeno da fotografia reproduzindo uma cena na Avenida – a atual Avenida Rio Branco, no centro do Rio de Janeiro – em que uma madame é flagrada pela Kodak de um fotógrafo louro. Espantado, discorre sobre o fenômeno, mencionando flashes em repartições públicas, fábricas, até em igrejas, durante as missas. Nesses ambientes, fotógrafos surpreendem a gente desavida e – clic! clac! – registram cenas do cotidiano.
A fotografia era uma febre à época, conforme registra o cronista. Tudo em função dos avanços tecnológicos de então, que favoreceram a popularização dos instantâneos. Antigos hábitos foram caindo em desuso à medida em que a fotografia se disseminava. Visitas e encontros familiares tornaram-se reféns da exibição de fotografias, das próprias poses que resultariam em fotografias. Eventos abertos ao público, então, nem se fala.
A profusão de fotografias ameaçava – suprema ironia! – a própria condição de fotógrafo. É o que também registra João do Rio:
Já não há propriamente mais fotógrafos profissionais, porque toda a cidade é fotógrafa. Já não há propriamente pessoas notáveis cuja fisionomia se faça necessidade informativa dos jornais, porque não há cara que não seja publicada”.
É bom lembrar: João do Rio escreveu há mais de 100 anos, mas o parágrafo acima parece descrever os dias atuais. Não basta a parafernália de equipamentos eletrônicos – máquinas digitais, celulares, tablets, o escambau -, é necessário combiná-la a uma impressionante profusão de mídias digitais que tornam, cada um, celebridade, estrela da própria vida, protagonista do próprio palco digital. Para quê fotógrafo, então? Todos podem substituí-los, fotografando, editando, postando.
Pouparei quem lê de uma digressão sobre os rumos da fotografia e da atividade fotográfica. Também não pretendo enveredar sobre os perrengues que enfrentam os fotógrafos – e os profissionais da comunicação de uma maneira geral, é bom ressaltar –, com a precarização decorrente da falsa modernização trabalhista ou da popularização da atividade fotográfica.
Mas é bom observar que João do Rio descreve uma onda – avassaladora, irreprimível, mas onda – que varreu a sociedade carioca a partir dos avanços tecnológicos que se verificaram então. Hoje, vive-se um novo boom, talvez mais impetuoso, mas, provavelmente, mais um boom, outra onda.
Mas isso já se trata de especulação, cogitação inútil sobre o futuro insondável. Então, é bom parar por aqui e liberar quem leu o texto até agora…
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