Lembro bem que foi em fevereiro de 2020. Não sei exatamente por quê, mas planejava ler Jack Kerouac, ícone da geração beat nos Estados Unidos. Era uma dessas ideias fixas que surgem do nada. O fato é que numa tarde de domingo – sempre as tardes de domingo – enquanto aguardava o embarque na Rodoviária de Salvador, me deparei com On The Road na prateleira de uma livraria. Não resisti ao impulso e adquiri um exemplar. Enquanto acomodava o livro na mochila, pensamentos sombrios me espreitavam: era publicação para mofar em estante, dificilmente o leria, etc.
Veio, pois, a pandemia da Covid-19. Em friorentas noites de julho daquele mesmo ano, acabei lendo a obra em pouco mais de uma semana. O texto era o manuscrito cru, original, resgatado. Lá estavam as personagens com seus nomes reais, sem máscaras. Lá estava a tensão do texto elaborado com velocidade febril, em pouco mais de 20 dias. Lá estava, também, o espírito daquele tempo que inspirou uma geração inteira nos anos 1960.
On the Road narra as peripécias do autor em viagens atravessando os Estados Unidos de costa a costa – de carro, de caminhão, de trem, de ônibus – numa marginalidade iconoclasta, libertária. Entenda-se marginalidade no sentido radical da palavra: estar à margem. Era como muita gente se sentia – a maior expressão disso foi o movimento hippie – nos Estados Unidos do pós-guerra, com sua prosperidade que se estendeu por três décadas e com seu consumismo desenfreado.
A partir dos anos 1980 esses movimentos contestatórios – mais do que contestação, havia inconformismo com a natureza do capitalismo – foram perdendo força, com a avassaladora onda liberal – ou neoliberal – que se tornou hegemônica no Ocidente. Mesmo assim, autores como Jack Kerouac ou Charles Bukowski – este também associado à geração beat – mantêm-se influentes até hoje. As sucessivas edições de seus livros atestam.
Enfim, o preâmbulo se estendeu por quatro parágrafos e, até aqui, não expus o objetivo do texto, o que pretende. Prosa errática, ébria. Talvez pretenda só contar que, caso tivesse lido a obra há mais de duas décadas, poderia ter abraçado impulsos libertários com mais ênfase. Não, não chegaria a tanto. Os tempos já eram outros e essa coisa de sair pelo mundo sem dinheiro funciona bem em outros países, não no Brasil. Mas, lendo, senti o ardor da chama antiga, aquele inconformismo juvenil que aflora às vezes, mesmo com a maturidade.
Em texto anterior, andei mencionando utopias, coisas fora de moda nos últimos anos. É fato: hoje, as utopias feneceram, cedendo às ambições pessoais de consumo, de ostentação, de autoexibição. É o que se vê, sobretudo, nos shopping centers nos agitados finais de semana. Mas é bom ir encerrando essa prosa chocha por aqui. Hoje ainda é terça-feira. Há a semana toda pela frente. Mas que segue valendo a pena folhear a geração beat nos momentos de ócio, sem dúvida vale…
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