-Sou contra esse negócio de direitos humanos! Nem sei se o senhor é a favor, pode até ser, mas acho que vagabundo tem que ter medo de polícia! Quando é preso, tem que apanhar, cair no cacete, como era antigamente! Eles matam pai de família e esse pessoal dos direitos humanos não vai na casa, mas quando é vagabundo, aparecem logo lá, fazem o maior escarcéu!
O sujeito pilotava um veículo batido, enferrujado, decrépito. Trajava camiseta falsificada de time de futebol, bermuda, sandálias. Motorista de aplicativo. Deplorava na sociedade essas inclinações humanitárias que, segundo ele, estimulam a vagabundagem, a marginalidade. O silêncio do interlocutor o inquietava. Pelo retrovisor encorajou – exigiu – opinião. Ouviu:
-Concordo! O País está entregue aos larápios. São eles que mandam. Veja aí essa coisa de PCC, de milícia…
Aí, com o comentário, o homem abrandou: a exaltação que o punha agitado se desfez abruptamente. A palavra proibida – milícia – o desestabilizou. Ficou sem jeito, tentou desconversar, mas esticara demais a conversa. Agora tinha que ouvir:
-Antes o cidadão andava por aí, nada o assustava. Agora é facção, é milícia, morre até quem não tem nada a ver com essas coisas…
Reagiu gaguejando, sem graça, refugiou-se no silêncio por intermináveis segundos. Depois retomou a palavra com uma conversa encalistrada, escorregadia. Momentos antes, era combatente dos marginais. Mas sobre as milícias fraquejou – arregou -, conforme a gíria corriqueira desses grupos criminosos. É bom ressaltar que ele não é o único a titubear. Muita gente adota esta postura dúbia, de velada aceitação.
Isso faz pensar: será que não consideram milícias e milicianos criminosos? Será que endossam as barbaridades que se alastram no Rio de Janeiro, mas que já alcançam outros estados do País? Será que o discurso do combate ao crime é tão relativo quanto aquele do combate à corrupção? Se é do lado com o qual há identidade, crime e corrupção são toleráveis? Com o silêncio, as dúvidas latejam, irreprimíveis.
É mais um sintoma – alarmante – da degeneração que corrói o Brasil há uns bons anos. Mesmo que as eleições alijem do poder os atuais governantes, o esforço para resgatar o País da barbárie na qual mergulhou – fanatismo religioso, milícias, carteis criminosos – será incomensurável. Há, até mesmo, o risco de fracasso, pois a situação se degradou muito nos últimos anos e pode piorar mais ainda à frente.
A velada simpatia do motorista de aplicativo pela milícia é apenas mais um sintoma dessa situação. Assustador, mas apenas mais um sintoma.
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