O sábado foi de sol em Salvador. Aquele azul característico – único, ímpar, que parece que vai se desprender da amplidão, despejar-se sobre a cidade – prevaleceu. No mar do Porto da Barra, as águas balançavam, dóceis, e as embarcações miúdas – barcos de pesca, lanchas – deslizavam suavemente. À distância apenas se intuía o marulhar – preguiçoso, tranquilo, manso – típico da calmaria. Dançando, as ondas brilhavam, radiosas.
Havia agitação era na calçada: banhistas, turistas, ambulantes, baianas de acarajé, atletas, garçons, moradores, todo mundo se misturava, pra lá e pra cá, numa ebulição que desaparecera com a pandemia. Nos bares e restaurantes, a gente abancava-se, lotando mesas, aguardando as moquecas, bebendo cerveja, conversando com descontração. Típico dia da primavera, até do verão, apesar da teimosia do inverno, que insiste em não findar.
Sentindo o sol, ardente, na pele, o vento úmido no rosto, ouvindo o murmúrio das ondas, exercitando os músculo numa caminhada aprazível senti – subitamente – uma sensação indescritível. Era como estar nascendo de novo. Fazia tempo que não andava por ali: apreensivo, circulara pelo calçadão no começo da pandemia, temendo a contaminação, desolado com a desolação.
Pois, no sábado, estava novamente ali, começando um flerte com a rotina pós-pandemia, com suas sensações particulares. É, de fato, como nascer de novo. O sol, o mar, o vento, os sons, tudo recendia a vida. Diria até que experimentava um otimismo discreto, de quem ainda é acossado por algumas apreensões, mas que se sente vivo. Em torno, a vida transbordava, caudalosa, aos borbotões. Bom reatar os laços com o que a rotina tem de bom.
Por um instante – um momento efêmero – vieram as recordações do isolamento, do medo, do luto, da apreensão, das incertezas, de tudo o que prevaleceu no período mais duro da pandemia. Mas as sensações agradáveis começam a se sobrepor, irreprimíveis. Há, no horizonte, a perspectiva da retomada da vida em sua plenitude. A energia da morte ainda está aí, no ar, mas uma discreta confiança empurra-a para as sarjetas de onde eclodiu anos atrás.
Muitos relacionam o “nascer de novo” com experiências traumáticas, de risco de morte. No entanto, há o reverso, a doce e contínua sensação de que se está nascendo porque se retomam hábitos agradáveis, reveem-se pessoas, descobre-se, novamente, com alegria quase infantil, aquilo que se dissipara na memória. Foi o que experimentei no sábado. Já vinha sentindo antes, aqui ou ali, de maneira fugaz.
Mas, no sábado, no Porto da Barra, a vida pulsou mais forte, renovada, renovando-se.
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