Eles sempre estão ali pela Maria Quitéria. Duas mulheres, um homem, duas crianças pequenas, de colo. As crianças costumam acomodar-se no canteiro central, sentadas sobre um forro de plástico. Os adultos revezam-se entre os automóveis, quando o sinal fecha. Pedem ajuda, ostentando um cartaz de papelão que relata – em poucas palavras – o drama que enfrentam desde que deixaram a Venezuela. São indígenas da etnia warao, pelo que li de relance.
Carregam, consigo, pouca bagagem. Água, biscoito ou pão em mochilas surradas. Uma das mochilas traz o escudo da Federação Venezuelana de Futebol, o vermelho, o amarelo e o azul destacando-se. Trajam roupas sociais, como a gente da roça se vestia aqui na Bahia décadas atrás. Talvez, por isso, transmitam a sensação de personagens saídas de um filme antigo.
Noto que fazem pouco sucesso entre os motoristas impacientes, forçados a parar na semáforo. Quem trafega em caminhonetes possantes – daquelas enormes, que intimidam quem vai em veículos menores – sequer se digna a baixa o vidro, manifestar alguma solidariedade. Os demais motoristas também são pouco solidários, relutam em desfazer-se de alguns trocados.
A indiferença dos motoristas é recebida com aparente resignação. O indígena – sempre atento à família, mesmo quando trafega entre os automóveis – pouco contrai o rosto. Às vezes, a mulher mais jovem é quem se aventura, trajando um vestido colorido, surrado. Permanecem por lá mesmo quando o sol é mais impiedoso, no fim da manhã.
Em discurso na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, esta semana, Jair Bolsonaro, o “mito” abordou a situação dos venezuelanos no Brasil: “Já são mais de 350 mil venezuelanos que encontraram, em território brasileiro, assistência emergencial, proteção, documentação e a possibilidade de um recomeço. Todos têm acesso ao mercado de trabalho, a serviços públicos e a benefícios sociais”.
Quando ouvi essas mentiras – todo mundo sabe que o “mito” é um mentiroso contumaz – lembrei dos pobres indígenas venezuelanos que estão tentando a sorte aqui na Feira de Santana. Se os próprios brasileiros vivem à deriva – 33 milhões passam fome, mas o governo contesta o levantamento – fico imaginando o que se reserva para os pobres warao, vítimas da tragédia humanitária na vizinha Venezuela.
Pedintes em esquinas e semáforos tentando sensibilizar os mais abastados se tornaram rotina no Brasil nos últimos anos. A situação dos estrangeiros, porém, é muito mais delicada. Sobretudo porque são invisíveis para a maioria indiferente. Isso quando não atraem a hostilidade ostensiva – a xenofobia – nesta quadra de ódio intenso.
Quando será que os warao vão se tornar visíveis na sempre movimentada avenida Maria Quitéria?
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