Praça da Matriz. No interior. Cidade miúda. A igreja imponente, suas duas torres, o sino silencioso no cimo, no meio da tarde silenciosa de inverno. Em torno, o casario baixo, desbotado, acanhados portais em arco, insinuando patrimônio histórico. Chilreio de pardais. E quietude. Densa, mas frágil, instável.
Umas nuvens graúdas – cumulus – esbranquiçadas, acinzentadas, tentando bancar chuva improvável. No jardim da praça – há um jardim na praça – uma peleja movimenta, agita, sacode a modorra habitual.
É que uma aranha – marrom e acastanhada – tenta enredar, em sua teia, uma mosca que, desesperada, ousou atravessar os fios e enrolou-se numa porção deles; Com perícia o aracnídeo ia e vinha, marchava e contramarchava, lançando o fio grudento que restringia os movimentos da mosca que debatia patas e asas em desespero.
O espectador estava sentado num banco de concreto, mudo; o silêncio, em volta, mudo.
Aí, a mosca, num arranco desesperado, tentou romper a teia com um impulso mais arrojado, mas acabou inclinando-se, numa posição desfavorável; a aranha, então, aproveitou para envolvê-la mais e mais, movendo com agilidade as patas finas, compridas.
O espectador mudo, mas tenso, movido pelo desejo de, com um gesto de mão, desfazer aquela trama – no fundo, um drama – sacudindo os galhos da coroa-de-cristo que a abrigava. Mas para quê escolher a mosca? Ou a aranha? Ou sabe-se-lá-o-quê? Para quê?
A dúvida o paralisava. E a aranha avançava para o arremate, para o desfecho daquela trama insignificante.
Sim, insignificante. O que o detinha ali? A praça, as vias de pedras portuguesas em volta. Podia ir embora, devia ir embora. Que fazer ali? Olhou a mosca – quase totalmente enredada – que ainda se debatia, mas sem o impulso e o desespero de antes. Parecia vislumbrar o fim. E aceitava o fim.
Por que não intervir? E para que intervir? A dúvida o macerava. Bastava sacudir os galhos da coroa-de-cristo, a aranha debandaria. E a mosca? O que lhe interessava na mosca? As moscas até o repugnavam. Mas aquela mosca, em particular, não o molestara, era só a personagem de um drama, drama miúdo, desprezível.
Ficou na dúvida, a mão suspensa, inerte. A dúvida o detinha. E a aranha avançava para o arremate, para o desfecho daquela trama…
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