Num texto recente registrei a alegria de voltar à vida andando pela orla da Barra, em Salvador, com o arrefecimento da pandemia. Tudo assume coloração nova e antigas sensações retornam, despertando agradáveis sentimentos. Pois, desde o domingo, essas sensações se avolumaram, arrebatando-me num turbilhão. Nem preciso mencionar que a derrota de Jair Bolsonaro – isso aí que muitos chamam de “mito” – foi a razão para esse retorno à vida.
É isso mesmo: a derrota do horror desperta a sensação de retorno à vida. Testemunhei em Salvador o êxtase coletivo – a capital baiana contribuiu com uma votação avassaladora para Lula – de quem vivia com medo, acossado pela energia da morte que, a partir daqui, deve começar a se dissipar, embora as dificuldades pelo caminho sejam enormes.
Havia gente de todas as matizes – pretos, brancos, pardos, homens, mulheres, gays, lésicas, crianças, idosos, estudantes, trabalhadores, enfim, imensa diversidade – celebrando o momento singular na História do Brasil. Dois milhões de votos a menos para Lula seriam suficientes para mergulhar de vez o País na barbárie, desta vez sem subterfúgios. Daí a euforia, a sensação de se reconquistar a liberdade e a democracia quase perdidas.
Alçado pela terceira vez à presidência da República, Lula terá, pela frente, sua mais difícil missão. Afinal, não se vê apenas um País cindido, fraturado pela intolerância e pela violência da extrema-direita. Vê-se o Brasil flertando com a barbárie, até mesmo com a própria dissolução da País. Exagero? Bastaria a extrema-direita permanecer no poder para a previsão pessimista se confirmar.
Será longo e extenuante o esforço para retornar à normalidade. Desde ontem os últimos quatro anos retornam à memória na forma de flashes, produzindo a desagradável sensação de quem, aos poucos, desperta de um inominável pesadelo. É isso mesmo: um pesadelo que se estendeu por 1,4 mil dias e noites e que finda em mais 60 dias.
Mas, até lá, há o canto dos sabiás para reconfortar, a luz radiosa do verão que se aproxima e a perspectiva das festas de final de ano, das férias que se aproximam. Ah, há também a Copa do Mundo se aproximando, o que talvez resgate, pelo menos por alguns dias, o sentimento de brasilidade que os aloprados da extrema-direita pisotearam…
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