Insanos dezembros. Ano sim, noutro também, quando o mês chega, a letra vem à mente. É composição de Chico Buarque e Tom Jobim. Relembro-a, imortalizada na voz de Maria Bethânia. Combina com o clima de recomeço e confraternização que marca o mês, com seus apelos ao consumo mas, também, com as esperanças que se renovam. Afinal, janeiro é logo ali e, junto com ele, chega o Ano-Novo, chega o verão também, as férias que interrompem a rotina insípida e o vertiginoso cotidiano.
Janeiro vem impregnado com o marulhar das ondas, com o azul do mar, com o sol vistoso. Pelo menos aqui no Nordeste que, festivamente, acolhe milhares de turistas do Sudeste chuvoso, do Sul de céu cinzento. As cidades estritamente vocacionadas para a labuta se esvaziam, quem pode vai se regalar no litoral, recarregar as energias. É o caso da Feira de Santana, que, desde já, mergulha naquela tensão que antecede as viagens, as celebrações à beira-mar.
Até lá, no entanto, muitos enfronham-se no desafio de fazer dinheiro, dezembro é mês de décimo-terceiro salário, de gastos extraordinários. Pródigo, o brasileiro se permite certas extravagâncias na época. Bom para quem vende, o movimento ganha intensidade a partir do dia 5 e só arrefece na véspera do Natal, quando o panetone, o peru e a farofa de frutas ocupam corações e mentes. Depois, é apurar o lucro e aguardar as sete ondas nalguma praia.
Quem fica, impreca contra o sol impiedoso de janeiro, até contra a quietude anormal. Alguns manifestam, discretamente, seu ressentimento. Estão aí pelejando, os mangangões na praia e por aí vai. No fundo, anseiam pelas paisagens que veem nas telas das tevês, nos luminosos aparelhos celulares. As propagandas de bronzeador, as imperdíveis promoções das agências de viagens, até o noticiário sobre a chuva ou o sol no litoral, tudo acende aquela amargura dissimulada, doída.
Antes disso, porém, há os dezembros, sempre insanos. Além do frenesi do consumo – presentes, autopresentes, lembrancinhas, recordações – há as incontornáveis confraternizações, as celebrações em que, coletivamente, todo mundo, momentaneamente, dá uma nova chance para todo mundo. Nas firmas, brinda-se às metas alcançadas, às ambições inalcançáveis. Quem se firma na fé caleja aspirando a volta do “Seu Messias”, antevê imprecisos apocalipses.
No cerca-lourenço deste texto, a essas alturas, o papo se estende, antecipando sensações que só virão à tona nas semanas vindouras. Por que a precipitação, para quê envolver os insanos dezembros de Tom e Chico? Pensei nalgum arranjo para arrematar e engambelar o leitor, mas nada de notável veio à cabeça. Melhor, então, finalizar celebrando o dezembro – mesmo chuvoso, plúmbeo, prenhe de nuvens –, estranhando as ruas coalhadas de verde-amarelo neste excepcional período de Copa do Mundo…
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