“Era uma noite ainda quente de abril, o mar arfava, o Cruzeiro do Sul subia entre a ilha Rasa e as Cagarras, e Ipanema estava bem assim”. A frase é de Rubem Braga e figurou numa crônica de 1959, “A moça na varanda”. O texto – irônico – abordava os lucros da Light, a então concessionária de energia elétrica do Rio de Janeiro, contrastando com as constantes interrupções no fornecimento do serviço. Neste janeiro de aridez, trovoadas ocasionais e calor insano na Feira de Santana, uma expressão me encantou no texto: “O mar arfava”.
A crônica é, em alguma medida, datada, como é próprio da natureza da crônica. Mas, nela, como sempre, prevalece o indiscutível lirismo que o Velho Braga sabia entornar como ninguém. Assim, o mar arfava. Aqui, sob o calor infatigável, liberei a mente, que foi vagar pelo infindável litoral. Esta trouxe, de lá, o marulhar e, mais que ele, o som do marulhar. Daí constatei – liricamente – que o mar, efetivamente, arfa em alguns momentos, assim como ruge noutros, quando se agita, encolerizado.
Mas, e daí? indagará quem lê, agastando-se nesta sexta-feira ensolarada. Daí que deu uma vontade de bestar à beia-mar no fim-de-semana, ouvir o mar arfando – quando a maré é mansa e convida ao banho – ou, mesmo, eriçando-se, convertendo o arfar numa rouca advertência de intempérie. Na Bahia as águas são quase mornas nesta estação, o azul do céu é armadilha que fisga até a alma e o bulício e a agitação dos banhistas exibem uma sonoridade festiva.
Só que, infelizmente, obrigações profissionais e questões particulares me prendem à Feira de Santana neste janeiro frenético. Frenético porque, afinal, nele, as pessoas circulam sem o medo e a apreensão impostos, nos verões anteriores, pela pandemia da Covid-19. As grandes avenidas, o centro da cidade e os entrepostos comerciais estão vazios nos primeiros dias de 2023. Muitos viajaram, aproveitando a estação porque, por aqui, as opções de lazer são bem chinfrins.
Assim, aos sábados e, nos domingos de janeiro, há sempre uma frustração muda pelas mesas dos bares, nos restaurantes cujo movimento é mais escasso. Pelos grupos, refulge nos olhares algum brilho de mar e o arfar manso – volto aqui ao Velho Braga – soa, magicamente, como música nos ouvidos, apesar das conversas e risos ao redor. Essas sensações trazem uma alegria recôndita que se mistura à euforia do álcool.
Para reconfortar o feirense sem praia, coitado, é bom lembrar que, de qualquer forma, é sexta-feira. A mesma sexta-feira que chega para quem veraneia no litoral, chega também para o sertanejo atarefado na cidade comercial da Feira de Santana.
Bom fim de semana!
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