Pensava que a energia da morte que estacionara sobre o Brasil ia começar a se dissipar a partir da derrocada de Jair Bolsonaro, o “mito”. Enganei-me: ela permanece aí, vívida, inclusive nos discursos de parte da turma que ascendeu ao poder em janeiro. Se ficasse apenas no plano retórico, beleza. O problema é que os assassinos seguem na ativa, produzindo cadáveres que se convertem em números numa estratosférica contabilidade macabra.
Mais estarrecedor é perceber que a matança – particularmente aquela protagonizada pelas polícias – é objeto de entusiasmadas manifestações de apoio de muita gente. Inclua-se aí parte dos mais pobres, que padecem sob a violência das facções em favelas e periferias e sob a truculência das polícias em suas frequentes incursões.
Governantes em pânico, por sua vez, redobram a aposta na violência para conter a violência: mais armamento, mais munição, mais viatura, mais policiais nas ruas para produzir mais cadáveres. Como se sabe, a fórmula não vem dando certo. O problema é que não se pensam alternativas ao populismo policialesco. Quem tenta fazê-lo é hostilizado, tachado de protetor de bandido.
No noticiário, prevalece o viés do pânico, do terror, do medo, da guerra civil. “É preciso exterminar os criminosos”, berram alguns, histéricos. Não falta quem defenda decapitações e amputações de delinquentes, invocando leis de bárbaros países orientais ou da própria bíblia.
Ao largo de tudo isso, o crime se organiza e estende seus tentáculos, país afora, de maneira inédita. A infinidade de facções condensa-se, passando a orbitar em torno do Comando Vermelho (CV) e do Primeiro Comando da Capital (PCC). Porém, mais assustadoras que as facções são as milícias que silenciosamente ganham força e, aos poucos, vão convertendo o Brasil num Estado a serviço do crime.
Há quem teime em ignorar o cenário, fingir que não existe. A estratégia não vai adiantar. Caso não se pensem soluções sustentáveis e duradouras para conter a violência, ninguém escapará ileso. É bom ressaltar: ninguém.
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