Os ônibus brotavam abruptamente da rua Arivaldo de Carvalho. Naquele tempo de poucos carros – metade dos anos 1980 – a via, calçada, era de mão dupla. Passavam do lado esquerdo do antigo bar Ferry Boat e avançavam para a rua Voluntários da Pátria, no começo do Sobradinho. A gente se aglomerava na calçada da fábrica de colchões Triunfo, onde havia um ponto. Ali desaguavam todas as linhas que se aventuravam por aquela região da cidade.
Transul e Autounida detinham mais linhas, mas havia também Safira e Autosel – a grafia desta última é incerta – num vaivém contínuo pela Voluntários da Pátria. Os motores roncavam, os escapamentos despejavam grossos rolos de fumaça preta no céu feirense. Os ônibus desciam embalados em direção à ladeira do Nagé e ao centro então acanhado da Feira de Santana.
Circulavam apinhados de passageiros, quem subia por último raramente transpunha o torniquete. Os motores gemiam aflitos subindo o Nagé, que naquela época abrigava amplas residências familiares, mercearias, pensões e pensionatos. Das janelas dos ônibus as crianças examinavam tudo, fascinadas.
Era bom ver os motoristas esfalfando-se sobre o volante para dobrar a rua Santos Dumont, já no alto da ladeira. Dali seguia-se até a Senhor dos Passos, que conduzia ao primeiro ponto no centro da cidade: o do Nordestino. Muita gente desembarcava, nos postes autofalantes despejavam propagandas, prevalecia o ir-e-vir típico de centro apinhado.
Na Carlos Gomes – até o semáforo do Feira Tênis Clube – havia congestionamento, pedestres atravessando; os ônibus, então, retinham sua marcha. Como hoje, apregoavam-se nas esquinas destinos próximos em carros de lotação. No “ponto do Tênis” descia pouca gente, o comércio ficara para trás.
Ao longo da Geminiano Costa havia – mais à frente – novo ponto, com pouco desembarque. Na Barão do Rio Branco, bem na Kalilândia, descia mais gente no “ponto da Brahma”. Naquela época, já não havia mais Brahma, mas o nome ficou, até a extinção do ponto, anos mais tarde. Então o ônibus pegava embalo até o terminal da Getúlio Vargas, sempre movimentado.
Dali o ônibus enveredava por uma quadra pela Castro Alves e dobrava à esquerda, na Leonídio Rocha. Rua estreita, às vezes engarrafava, até o desembocar na Comandante Almiro. Nela ficava o ponto da Rodoviária, hoje praticamente extinto. Havia movimento de viajantes e de clientes do Paes Mendonça, supermercado próximo. Mais à frente, os ônibus embocavam no trecho extenso da Presidente Dutra.
Ali, sem tantos semáforos, os motoristas aceleravam, passando por lojas de autopeças, postos de combustíveis, hotéis e pousadas, até a praça Jackson do Amaury. Mais congestionamento, por ali escoavam os viajantes no rumo da Estrada do Feijão, da BR 116 Sul. Em dias ensolarados, os tetos dos automóveis reluziam e o horizonte tremulava em ondas de calor. Era bom seguir em frente e chegar à arborizada Matriz, contornando a praça Padre Ovídio, naquela curva alucinante em velocidade.
Voltava-se ao coração comercial da Feira de Santana e aos seus congestionamentos ao longo da Conselheiro Franco. Muita buzina, muita fumaça, muita aceleração em ponto morto até chegar ao hotel Euterpe e à rua Recife, a “ladeira do Centro de Abastecimento”. Na verdade, uma das várias ladeiras que conduzem ao entreposto. Todas batizadas de “ladeira do Centro de Abastecimento”. Aquela estava sempre apinhada, o comércio regurgitava e havia barracas nas calçadas, tabaréus num vaivém incessante.
Na quadra da rua Recife que divisava com a praça do Tropeiro, as barracas tomavam a rua. Os ônibus, então, em velocidade, torciam à direita pela rua Visconde de Barbacena, contornando a praça. Era assustadora a curva brusca, desviando das dezenas de barracas. E se um dia faltasse freio ou uma pane qualquer impedisse a manobra? Haveria uma desgraça grande que – ainda bem! – nunca aconteceu.
Na praça do Tropeiro ficava o ponto mais interessante. Era grande a diversidade por lá. Gente em compras, ambulantes, carregadores, tabaréus de gibão, tabaroas de anágua, tudo muito rico e pulsante, sob uma barulheira terrível, pregões, autofalantes, o caos. Ali o sertão latejava, prenhe de vida.
Os ônibus subiam, gemendo, a rua Porto Velho – mais uma ladeira – e dobravam a Juvêncio Erudilho, em direção à Praça 2 de Julho. Estreitas e movimentadas, as vias exigiam perícia dos motoristas. Por fim, para quem ia para os lados do Sobradinho, os ônibus enveredavam pela antiga rua de Aurora, por fim descendo o Nagé.
Era o itinerário do ônibus circular que, ao longo dos anos, foi passando por inúmeras mudanças. Menino, fiz muito esses roteiros e, ainda hoje, os olhos brilham com as recordações…
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