– MARIA VAI AÊ? – Indagavam os estudantes, da calçada.
– NÃO! QUEM VAI É A SUA MÃE, SEU FILHO DA P…! – Reagiam os que viajavam no “pau de arara”.
O diálogo breve – às vezes havia muito mais impropérios – era comum nos finais de tarde de segunda-feira. Era quando os “paus de arara” partiam do Centro de Abastecimento e seguiam em direção às dezenas de comunidades rurais ao norte da Feira de Santana. A rua Arivaldo de Carvalho, ali no Sobradinho, era rota obrigatória.
Quem, além dos estudantes, espezinhava os pacíficos viajantes que se acomodavam sobre as tábuas nas carrocerias das caminhonetes e pequenos caminhões? Desocupados nas esquinas ou nas portas dos botequins, engraçadinhos esporádicos, mas, sobretudo, adolescentes retornando das aulas no colégio Assis Chateaubriand.
Os “paus de arara” sumiram nas últimas décadas, substituídos por ônibus, micro-ônibus e vans. A mudança foi salutar. Empoleirados nas carrocerias, os viajantes que demandavam o Centro de Abastecimento e o centro da Feira de Santana expunham-se a inúmeros riscos, sobretudo de graves acidentes.
Mas, afinal, o que era o “pau de arara”? O arranjo implicava em tábuas paralelas dispostas sobre a carroceria de veículos; uma cobertura precária – às vezes um simples plástico – cobria tudo e dava à engenhoca um aspecto de tenda. Nem é preciso mencionara a carga de preconceito e discriminação embutida na expressão “pau de arara”, que acabou se popularizando, mesmo entre os nordestinos.
Carregados, esses “paus de arara” abrigavam pacotes com mantimentos, cestos, balaios, enxadas, móveis, gaiolas, galinhas e, às vezes, até pequenos porcos ou cabras. No meio de tudo, espremendo-se, os passageiros, resignados e empertigados em deslocamentos que se arrastavam pelas estradas empoeiradas do rural feirense.
Mulheres com lenços na cabeça e anáguas, homens com chapéu de couro, gibão e canivete na cintura. No meio daquelas mulheres, certamente iam muitas Marias. Aí, provavelmente, estava a origem da piada sem graça. Quem costumava reagir eram os homens, apelando para o repertório de xingamentos. Havia ocasiões, porém, em que as próprias mulheres replicavam, indignadas.
Alguns colegas – após as intermináveis aulas da segunda-feira – encontravam ânimo para divertir-se, provocando os viajantes. Riam quando lançavam a indagação e gargalhavam com a réplica previsível. A diversão era maior nos dias de prova – quando se saía mais cedo – ou quando algum professor faltava e a turma era liberada mais cedo. Nos fins de tarde, com o horário de saída normal da escola, os “paus de arara” já tinham partido, passavam sempre às 16 horas.
O espetáculo dos “paus de arara” retornando sempre me fascinou ali na movimentada Arivaldo de Carvalho. Dedicava longos minutos a examinar os rostos crispados, sofridos, resignados, da gente da roça. Mas sustentavam sempre uma dignidade solene, sentados nas tábuas duras. Dezenas de caminhonetes e pequenos caminhões subiam, até começar a escurecer. Retornavam, então, na semana seguinte.
Com o tempo, ônibus decrépitos foram substituindo as caminhonetes. Eram mais espaçosos, mais confortáveis, apesar de velhíssimos. Traziam sempre a informação sobre o destino no para-brisa, quem observava aprendia a geografia do rural feirense. Os rostos dos tabaréus nas janelas, acostumando-se àquela novidade, eram até pitorescos.
Décadas separam aquelas observações juvenis dos dias atuais. Mesmo assim, sempre se veem os ônibus, sempre se veem os feirenses da roça retornando da visita à cidade. Embora não sejam as mesmas pessoas daquele tempo, uma sensação boa emerge do fundo do peito. Uma sensação de vida que segue sendo vivida, pulsante, apesar de todas as adversidades.
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