Em 2023, depois de muito tempo, o brasileiro pobre foi reincorporado ao circuito do consumo. Ressurgiram filas em atacadões, mercadinhos, padarias, pizzarias e – supremo êxtase – nos açougues das periferias. Nestes, longas filas nos períodos festivos e no início do mês, lembrando aquele soluço de prosperidade que expirou há quase uma década. O pobre passou a comer carne novamente.
O resgate de políticas de transferência de renda, associado a um desempenho melhor do mercado de trabalho, permitiram um crescimento modesto, mas promissor, suficiente para amenizar um pouco as agruras dos brasileiros. O cenário surpreendeu os oráculos do “deus mercado”, que previam desgraças bíblicas em 2023.
A trégua – por enquanto não faz sentido falar em retomada sustentada do crescimento – se deveu à chance que o Brasil se deu nas eleições presidenciais de 2022. Como estaríamos caso o “mito” – Jair Bolsonaro – tivesse vencido as eleições? No mínimo, metaforicamente, despencando abismo abaixo. Muitos – os mais pobres – talvez já estraçalhados, desfigurados.
Mas é bom não se entusiasmar tanto, nem embriagar-se com os êxitos do momento. Domingo (19) a Argentina mostrou que os abismos permanecem à espreita. Lá, elegeram uma personalidade excêntrica cujas promessas – caso cumpridas – têm o potencial de torna a crise atual naquele país brincadeira de criança.
Para piorar, não são negligenciáveis as chances de os norte-americanos elegerem, de novo, Donald Trump em 2024. A economia sob o governo Joe Biden não vai mal, mas, pitorescamente, parte dos eleitores do país vive num mundo paralelo, a exemplo dos acólitos do “mito” por aqui. Julgam-se imersos num regime “comunista”.
Movimentos do gênero – a depender do que vem por aí – podem recolocar a extrema-direita no jogo eleitoral em 2026 no Brasil, talvez até com chances de sucesso. A direita tradicional, intimidada, foi emudecida pelo grasnar incessante dos aloprados combatentes do “comunismo”. Até lá, não deve consolidar nenhum nome com chances efetivas de vitória.
É provável que, nos próximos anos, a economia brasileira vá melhorando, depois de quase uma década de recessão e estagnação. O consumo interno, portanto, deve permanecer aquecido, favorecendo milhões de consumidores.
Noutros tempos, seria fácil prever a reeleição de Lula (PT). Mas a situação mudou. E cabe uma indagação: será que o crescimento econômico, por si só, é suficiente para impedir que o País mergulhe no abismo novamente?
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