Desde a infância que a decoração natalina me intriga. Lembro que foi num Natal tórrido – mas quase glacial comparado aos dos dias atuais – que prestei mais atenção nessa coisa de Papai Noel, de trenós, de neve de algodão e de pinheiros iluminados. Fazia calor, todos suavam. Mas lá estava a controversa neve de algodão, o festejado bom velhinho devidamente agasalhado, as árvores natalinas pejadas de algodão, feito neve artificial.
Falava-se, ainda, bastante de Jesus Cristo. Seu exemplo orientava as celebrações católicas que marcavam o período festivo. A missa à noite, na véspera de Natal, era o ponto culminante da comemoração. O nascimento do menino pobre, numa manjedoura, inspirava e mobilizava milhões de fiéis.
Naquela época (1984?) debutei numa missa noturna na Igreja do Senhor do Bonfim, no Alto do Cruzeiro. Encantou-me a iluminação profusa no templo, os cânticos natalinos, o presépio, aquela solenidade toda. Na volta para casa, havia movimento pelas ruas, no Cruzeiro e no Sobradinho celebrava-se, bebia-se, comia-se, ria-se, ouvia-se música alta. Aquela disposição profana me desgostou um pouco.
Desde então, Papai Noel, a fraternidade de mercado e a euforia consumista escantearam Jesus Cristo, a solidariedade cristã e os presépios. Hoje se fala só de compras, durante um mês inteiro. É gente comentando suas aquisições, gente planejando ceia – a ênfase é no que se come, no que se bebe, não na celebração – gente revelando seus desejos de consumo, gente correndo pelo comércio Brasil afora.
Ora, dirá quem lê, o que isso tem a ver com a ojeriza à neve de algodão, ao encapotado Papai Noel, com as pobres renas aflitas com o frio?A que conduziram as reflexões infantis? À constatação que o bom velhinho, com a sua generosidade hipócrita, agadanhou a condição de símbolo incontestável da época. Jesus Cristo e seu nascimento tornaram-se só um pretexto para a catarse consumista.
Enfim, a prosa arrasta-se e a questão de fundo permanece solta: por que a decoração natalina, com sua neve, intrigava-me na infância? Retomo o fio da meada: é que o infalível calor contrastava com toda a simbologia natalina. E, nesses tempos de aquecimento global, contrasta ainda mais.
Por quê, por aqui, nunca se tentou cultivar símbolos próprios, referências brasileiras, até sertanejas? Foi só a mera preguiça, a canseira que pensar dá? Acho que não. É que o brasileiro, no fundo, curte a neve, o frio polar, a elegância dos agasalhos, dos hábitos europeus, escandinavos. Não ficamos eufóricos quando neva em Santa Catarina ou no Rio Grande do Sul?
Por fim, me convenço de que nada deve mudar. Que Papai Noel, seus trenós, suas renas e sua neves, sigam enfeitando vitrines, mostruários, balcões de vidro. O suor seguirá escorrendo, com certeza, mesmo nos corredores dos shoppings.
Mas, ao menos, seguiremos nos sentindo escandinavos uma vez por ano.
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