Já comentei neste espaço que, no passado, me dediquei à cobertura policial aqui na Feira de Santana. Entre idas e vindas, foram cerca de seis anos. Tempo suficiente para testemunhar muita desgraça, muita tristeza, muito sofrimento. Não rendeu um estudo sistemático sobre a violência aqui na Princesa do Sertão, mas implicou em um extenso aprendizado não apenas sobre a violência, mas também sobre a desigualdade, a exclusão e a omissão. Esta última sobretudo por parte do Estado.
Nos anos seguintes, acompanhando estatísticas, lendo livros sobre o tema e escrevendo artigos de opinião com frequência, fui cristalizando a constatação que, no circuito da violência, mudam as personagens com assustadora regularidade, mas os processos que o geram permanecem imutáveis, quase intocados.
Em 21 de novembro de 2012, por exemplo, publiquei o texto “Feiraque ou “Feiranistão?”: a escalada da violência”. Foi no site Infocultural, do saudoso amigo jornalista Geraldo Lima. Comentava, então, sobre seis assassinatos registrados aqui na Feira de Santana numa terça-feira. Pois bem: quase 12 anos depois, na última sexta-feira (10), ocorreram impressionantes oito homicídios.
Nada mudou, como se vê. Tanto que até pego emprestadas algumas frases daquele texto longínquo: “Em alguns bairros, a taxa de homicídios deve se aproximar daquelas verificadas em regiões que vivem sob conflito declarado (…) Noutras palavras, circular pelas ruas da Feira de Santana, hoje, é perigoso. Muito perigoso”.
Tem mais: “Quem mata aposta numa impunidade que é quase certa: poucos assassinos costumam ser identificados e apenas uma minoria vai para o banco dos réus. Parece mais provável que o criminoso prove do próprio veneno: lá adiante, ele pode ser alvo de uma vingança ou, simplesmente, ser tragado pela espiral de violência na qual mergulhou”.
Nada mudou? Talvez esteja enganado. As facções – fenômeno que se consolidou ao longo da última década – e a homicida liberação de armas tornaram tudo muito pior. As mortes se sucedem, aumentam e o estrugir de palmas da população acuada também. Que resta, então? Lastimavelmente, finalizei o texto de 12 anos atrás da mesma forma que finalizo este, o que comprova que nada melhorou: “Por hora, resta ao feirense apenas rezar pelos que tombaram e torcer para não ser a próxima vítima”.
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Falar sobre “liberação das armas” como componente do Bang Bang que atormenta a população de Feira é desonestidade intelectual. Primeiramente, porque não houve, nem há, qualquer política para “liberação de armas” em nosso país: o comércio legal de armas foi e continua sendo restrito e burocraticamente rigoroso. Ninguém nunca comprou legalmente uma arma com a mesma facilidade que compra sapatos, relógios, celulares etc. Com exceção dos criminosos, que compravam, compram e muito possivelmente continuarão comprando armas sem qualquer controle por parte do Estado, o cidadão que deseja tem em seu poder uma arma de fogo, nunca teve a possibilidade de adquirir qualquer tipo de armamento como produto qualquer, “liberado”, na simplicidade de que tem alcance um iitem exposto numa prateleira qualquer, nas gôndolaas de um supermercado, de uma loja no shopping, numa barraquinha da esquina, numa pracinha: essas opções realmente existem, porém, foram e continuam sendo exclusivamente reservadas a bandidagem, as facções criminosas, aos agentes do tráfico, que nunca foram e continuam não sendo, minimamente incomodados pela imposição de impostos, registros, carimbos, testes e psicotestes, endossos do Exército etc. Vamos parar com isso! Vamos encarar a realidade: alguém, em sã consciência, honestamente, acredita que os traficantes da cidade portam armas regulares? Alguém acredita na hipótese de que todo assaltante faccionado possui registro de porte ou posse de arma? Ou então, nessa lógica da “liberação”, será que alguém acredita, sinceramente, que todo arsenal de guerra dos criminosos de Feira de Santana é fruto de furto ou roubo de armas legalmente adquidas por CACs? Por favor! Isso é ridículo! Vamos nos ater a realidade, falar em liberação de armas como causa da violência urbana em Feira de Santana é hipocrisia pura!