O tema veio à tona durante uma conversa com o jornalista Jânio Rêgo. Foi em janeiro, era tarde de sábado. No palco do Mercado de Arte Popular, apresentações de reggae. Nas mesas em torno do palco, acumulavam-se litrinhos e litrões. O povo saboreava ensopado, sarapatel, maniçoba, mocofato, feijoada; cantava acompanhando os cantores; dançava em torno das “colunas toscanas intocadas” que sustentam o centenário mercado.
Num balcão envidraçado, generosas porções de cuscuz eram servidas. Lembrei, então, de como, costumeiramente, se comia cuscuz aqui na Bahia em minha infância remota. Era servido no café da manhã ou no desjejum noturno, em fatias sólidas às quais se adicionava manteiga ou margarina.
Numa viagem ao Ceará – nos últimos anos do século passado – fui apresentado ao cuscuz como se costuma consumir hoje por aqui, esfarelado, substituindo a farinha de mandioca no almoço. Foi num restaurante à margem da estrada, na empoeirada BR 116, bem ao Sul do Ceará. Pode ter sido em Brejo Santo, ou mais ao norte, em Russas, sei lá.
Sei que, vendo todo mundo servindo-se de cuscuz, feijão, arroz e galinha cozida, tratei de acompanhar o cardápio. Não foi difícil a experiência, o cuscuz ainda vinha temperado com coentro. Em viagens posteriores àquele estado, nos agitados anos de movimento estudantil, o prato se repetia.
Notei também que, nos anos seguintes, o cuscuz foi se firmando na dieta do baiano. Haverá, aí, nesta predileção, alguma relação com a queda no consumo da farinha de mandioca nas últimas décadas? A migração teve algum impacto nessas mudanças? É um bom tema para uma pesquisa robusta, dessas de render manchetes.
O fato é que, pela Feira de Santana, o cuscuz acompanha o ensopado de boi, de carneiro, de bode, de frango, o sarapatel, o mocofato, o ovo frito, até mesmo a feijoada. Junto com a farinha de mandioca – mais associada à Bahia e aos baianos – é um dos símbolos maiores da culinária nordestina.
No Centro de Abastecimento, nas feiras-livres, nas barracas que servem prato-feito no centro da cidade, sempre se vê o cuscuz, quase onipresente. Destaca-se também nas tabuletas que anunciam cardápio e preços, despertando a clientela. O cuscuz protagonizou uma silenciosa revolução culinária e, hoje, aproxima a Bahia ainda mais dos estados do Nordeste.
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