O noticiário informa que, nesta semana, muita gente importante descobriu os efeitos nefastos do “libera geral” da jogatina no Brasil. Pelo que se vê, nem os pobres que dependem de políticas de transferência de renda, como o Bolsa Família, escaparam: dos cerca de R$ 14 bilhões repassados em agosto para os beneficiários, cerca de R$ 3 bilhões foram parar nas contas das festejadas bets, via apostas.
Diante da repercussão, agora se vê gente se movendo, anunciando medidas, projetos de lei, afirmando e reafirmando sua indignação. Ano passado a coisa foi aprovada festivamente. Houve até manobra para reduzir o montante de impostos pagos pelas bets. No parlamento, alegaram que a jogatina “gera emprego”.
O episódio não deveria causar surpresa. Muita gente no Brasil, hoje, é refém do jogo. Talvez os montantes envolvidos – possivelmente ainda subestimados – surpreendam. Mas a disseminação do vício não causa surpresa a quem está atento. Basta circular por aí, prestar atenção na propaganda, ouvir retalhos de conversas, observar o aparato que envolve a jogatina.
Desiludido de melhorar de vida pelo trabalho, o brasileiro apela para o jogo, o que só vai lhe render dissabores. Mas, como não é movido pela racionalidade, ele cultiva uma fé cega e sem fundamento, que o torna presa das promessas de enriquecimento rápido e fácil.
Décadas atrás o brasileiro labutava sem ilusões de riqueza, de fortuna fácil. No máximo, arriscava-se na loteria esportiva, na mega-sena, no jogo do bicho. De lá para cá as igrejas e a autoajuda organizacional empurraram-no para esses delírios de bojuda prosperidade material. Com a crença internalizada, tornam-se presas fáceis de todo tipo de golpe. Agora chegaram as bets para tapeá-lo.
Tornaram-se comuns relatos de falências, de dívidas, de desestruturação familiar, de adoecimento psíquico e até mesmo de suicídios. Quem arca com os custos desta tragédia social? O Estado – os contribuintes, melhor dizendo – enquanto os felizardos multimilionários acomodam seus lucros em paraísos fiscais e vão aproveitar a vida em paraísos turísticos.
Milícias, mercadores da fé, facções criminosas, tragédias ambientais, crises econômicas, sociais e políticas, o Brasil já tem problemas demais e, agora, lida com mais um que não deixa de ser desdobramento dos demais. “É o fim do mundo”, diriam os mais velhos que conheci na minha infância.
O fato é que frear o horror da jogatina é um imperativo para o Brasil no momento. Cindido, fracionado, esgarçado, o País arranjou mais uma tragédia para dividi-lo ainda mais…
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