O mundo dos velhos, de todos os velhos, é, de modo mais ou menos intenso, o mundo da memória. Dizemos : afinal, somos aquilo que pensamos, amamos, realizamos. E eu acrescentaria: somos aquilo que lembramos. Além dos afetos, que alimentamos, a nossa riqueza são os pensamentos que pensamos, as ações que cumprimos, as lembranças que conservamos e não deixamos apagar e das quais somos o único guardião. Que nos seja permitido viver enquanto as lembranças não nos abandonarem e enquanto, de nossa parte, pudermos nos entregar a elas. A dimensão na qual o velho vive é o passado. O tempo do futuro é para ele breve demais para dedicar seus pensamentos ao que estpá por vir. A velhice, dizia aquele doente, dura pouco. Mas justamente porque ela dura pouco é que devemos empregar o tempo menos para fazer projetos para um futuro distante ao qual não pertencemos, e mais para tentar entender, se pudemos, o sentido ou a falta de sentido de nossa vida. Concenteremo-nos . Não desperdicemos o pouco tempo que nos resta. Percorramos de novo nosso caminho. As recordações virão em nosso auxílio. No entanto, as recordações não aflorararão se não as formos procurar nos recantos mais distantes da memória. O relembrar é uma atividade mental que não exercitamos com frequência porque é desgastante ou embaraçosa. Mas é uma atividade salutar. Na rememoração reencontramos a nós mesmos e a nossa identidade, não obstante os muitos anos transcorridos, os mil fatos vividos. Encontramos os anos que se perderam no tempo, as brincadeiras de rapaz, os vultos, as vozes, os gestos dos companheiros de escola, os lugares, sobretudo aqueles da infância, os mais distantes no tempo e, no entanto, os mais nítidos na memória. Eu poderia descrever passo a passo, pedra a pedra, aquela estrada dos campos que percorríamos quando rapazes para chegar a uma herdade um pouco fora de mão.
Trecho extraído do livro “O Tempo da Memória – De Senectute e outros ensaios autobiográficos”, de Noberto Bobbio, filósofo e senador vitalício italiano. Norberto Bobbio faleceu em 9 de janeiro de 2004, em Turim, aos 94 anos de idade.