“Furiba falando a verdade”. Livro escrito pelo pesquisador Zelito Nunes, conta a trajetória de um dos emblemáticos cantadores do Nordeste, João Batista Bernardo, João Furiba, ou simplesmente Furiba. Um gênio na arte do improviso ao som da viola, Furiba fez inúmeras parcerias na cantoria, mas nenhuma delas foi tão fecunda e marcante quanto a que fez com Pinto do Monteiro, “a cascavel do repente”.
No SESI de Caruaru, numa cantoria organizada pelo major Sinval (1964), eu, chegado há pouco do Rio de Janeiro, fiz esta sextilha:
O que se vê no Nordeste
é caminhão pau-de-arara,
o povo passando fome
que o suor desce na cara,
a diferença é enorme
do povo da Guanabara.
Pinto faz, então, uma das suas mais conhecidas estrofes:
O que vi na Guanabara
foi nego descendo morro
desastre no meio da rua
gente no Pronto Socorro
ladrão batendo carteira
mulher puxando cachorro.
Foi ao lado de Pinto, inclusive, que surgiu o “Furiba”, nome com o qual se consagrou neste universo. Famoso pelos improvisos ricos de irreverência, por meio dos quais construía uma imagem avantajada de si, em sua “hipérbole existencial”, Furiba ficou com fama de mentiroso. Eis o porquê do “Falando a verdade” deste livro que conta o lado menos conhecido e muitos detalhes da vida pessoal do cantador.
Há muitas curiosidades, dignas de comoção, de reflexão, e principalmente de risos. Da chegada prematura a este mundo, quando quase foi comido por uma coruja faminta, das primeiras aventuras à consagração com o repente, dos seus muitos casos de amor, até a experiência de se tornar mecânico de avião, a vida de Furiba foi em verdade bem vivida, e por isso é inspiradora.
O livro reúne depoimentos de personalidades do meio artístico e críticos que colaboram para dá contornos mais fiéis à fisionomia de uma figura muito mais vista como caricatura que como um ser humano e um grande artista da palavra, um Poeta com letra maiúscula, como sua própria história. Para os desavisados que o tomaram pela caricatura de um “mentiroso”, apenas, vale lembrar a genialidade deste poeta na construção de suas imagens, na naturalidade de seus versos , tantas vezes simples, mas portadores de uma verdade cheia de graça ou “cheirando à filosofia”. Merece um alto relevo essa estrofe maravilhosa do poeta:
“Eu admiro é a barata
Saber voar e correr,
Chega na lata de açúcar
Bate um baião pra comer,
O que come é muito pouco,
Mas bota o resto a perder.”
Falecido em 2019, aos 100 anos e com 42 filhos, Furiba vive, é imortal pelo que cantou e também por estes registros reunidos neste livro. Recomendo sempre, leia! Viva a leitura!
Romildo Alves é poeta, mestre em estudos literários pela UEFS, nasceu em Riachão do Jacuípe e reside em Feira de Santana. Filho de vaqueiro, começou a fazer versos quando ainda era garotinho, ganhando o apelido de “Garotinho do Cordel”. Romildo é pesquisador da obra e vida do poeta Chico Pedroso e autor do trabalho “Águas da Lagoas Grande