
Quem desce dos ônibus no Lambe-Lambe sente logo a luz estonteante, refletida sobre as calçadas. Em volta, o colorido das bancas de frutas e verduras, o alarido de quem passa desafiando o calor. Mais à frente, só a falsa seringueira – imponente, mesmo maltratada – projeta sombra e um fio, quase imaginário, de frescor do outono. Ninguém comenta, mas já há ali aquela lufa-lufa que precede a Semana Santa e todo o ritual que envolve a peixada da Sexta-Feira Santa.
No beco batem palmas chamando a clientela para as lojas, entregam panfletos, anunciam empréstimos imperdíveis para o pedestre endividado. Um pedinte casual estende a mão, expondo a miséria que lhe corrói o corpo. Mas a atenção já é toda da nesga de horizonte que se insinua pela Rua Recife, resgatando a “bem-nascida entre verdes colinas”.
À sombra da fachada da Euterpe Feirense, mais um fio de frescor, reafirmando o outono. Súbito, recordações juvenis emergem: o ponto apinhado na esquina, os ônibus dobrando da Conselheiro Franco – Autounida, Transul, Oliveira Lacerda, Aymoré, Safira -, estacionando com estrépito para embarcar passageiros na calçada estreita.
Então, na descida da ladeira, antigas emoções em ebulição: as barracas de metal e lonas, ônibus descendo desembestados, fazendo uma curva acentuada no último instante, raspando as barracas. “Um dia acontece uma desgraça por aqui”, comentava-se Mas a desgraça nunca veio e – um dia – o roteiro mudou, sobrevivendo hoje só em antigas recordações.
Quando as lembranças se dispersam, não se vê mais o casario da Rua Nova, nem as verdes colinas mais próximas; Só a fachada cinzenta da Cidade das Compras, as ondas de calor que fazem a Praça do Tropeiro tremular. É terça-feira, o samba da véspera não ressoa mais por ali. O que ressoa é o sertanejo, o brega, o forró, o arrocha nas barracas acanhadas.
O cheiro do peixe cozido com azeite de dendê no Centro de Abastecimento reforça a sensação olfativa: é Semana Santa, o povo já antecipa as celebrações com o prato-feito da terça-feira. Muitos se espantam com o preço do bacalhau, do camarão – mais de cem reais o quilo! – que subiu assustadoramente. “É a Semana Santa” resmungam alguns, resignados. Subitamente, o alto-falante anuncia que, Sexta-feira Santa e segunda-feira, o Centro de Abastecimento permanecerá fechado.
Então, o olho de alguém brilha, recordando o feriado, prolongado, de Tiradentes, em 21 de Abril…
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