
A procissão, que ficou em nossa memória, era majestosa. À frente, com seu porte marcial, andar pausado, o Coronel Álvaro Simões Ferreira, levando a imagem do Crucificado, seguido da irmandade da Santa Casa de Misericórdia, encapuzada, numerosa e dividida em duas alas, a conduzir tochas.
Em seguida vinha o Padre Mário Pessoa, a puxar a ladainha com voz suave mas audível à distância, tal o pesado silêncio que se fazia.
Surgia, depois, a matraca, tangida, nos intervalos, por Claudio “Macaca Fêmea”, e o bombardino, tocado por Oscar Bombardino, que dava, ao cortejo, tom lúgubre e cerimonioso. Só depois aparecia o povão, tomando toda a largura da rua, mas respeitando o espaço das principais figuras da procissão.
O cortejo saia da Matriz, entrava na Marechal Deodoro pela Travessa de Santana, ganhava a Praça João Pedreira, na direção da Prefeitura e entrava na Avenida Senhor dos Passos em cuja igreja fazia a primeira parada, seguindo pelo Beco do França, detendo-se na Igreja dos Remédios e subindo a Rua Conselheiro Franco, parava na Capela de São Vicente, desaparecida como o prédio da Pensão Universal, com a construção do Mandacaru, recolhendo à Matriz a cuja porta, todos de joelhos, contritos, entoavam o “Senhor Deus”.
Ninguém jamais conseguiu substituir o Padre Mário na ladainha e no “Senhor Deus” da Procissão de Fogaréus cuja melodia, no decorrer do tempo, foi sendo alterada até se tornar quase irreconhecível.
Naqueles tempos mulheres não entravam na Procissão, que simbolizava a prisão e a condenação de Jesus Cristo ao martírio, fatos de que mulheres não participaram. Ficavam, elas, em grandes grupos, nas esquinas, nos passeios, precipitando-se de uma rua para outra só para ver passar aquela enorme massa de homens contritos a entoar o “ora por nobis” nas pouco iluminadas e quase desertas ruas da nossa cidade, que davam à Procissão, aspecto fantasmagóricos.
Contava-se, na época, que em tempos anteriores e mais ignários, frades estrangeiros, vermelhões de vinhaça, afastavam as mulheres da Procissão com poderosos e certeiros golpes dos pesados cordões das sotainas. Já naquela época as mulheres queriam se meter em tudo.
A procissão atraia notáveis tipos populares. Para Claudio “Macaca Fêmea”, que tocava a matraca, nas ruas, durante toda a Semana Santa, a grande glória era a de participar, de balandrau roxo, da Procissão de Fogaréus, o que também acontecia com Oscar “Bombardino”, que se preparava durante todo dia, para a Procissão, mandando às goelas boas doses de cana para temperar o sopro, que sempre saia suave e contido, como a ocasião exigia.
NOTA DA REDAÇÃO: Hugo Navarro foi advogado, jornalista e político de Feira de Santana, diretor do jornal ‘Folha do Norte’. O texto acima foi publicado naquele jornal em 1997 e republicado por Adilson Simas, no site da Prefeitura de Feira, em 2020. A foto acima , da procissão, não se refere à época retratada pelo texto. É recente e de autoria da Secretaria de Comunicação de Feira. Hugo morreu há 10 anos, 30 de março de 2015. O BF lhe rende homenagem republicando essa crônica.