
Biógrafos de José Sisnando Lima informam que ele saiu do Ceará com o sonho de se tornar médico na Bahia e ainda estudante da Faculdade de Medicina da Bahia conheceu e aproximou-se das famosas rodas de capoeira em Salvador chegando a cumprir um papel importante na legitimação da capoeira baiana: como tinha alguma aproximação com o interventor do Estado Novo na Bahia, Juracy Magalhães,que era também cearense, abriu espaço para que Manoel dos Reis Machado (Mestre Bimba), um conhecido capoeirista, fizesse uma apresentação de capoeira no Palácio do Governo, evento este que ficou conhecido como divisor de águas na história da capoeira baiana entre o significado da marginalidade e o da legitimação social.
Em 1941, exercendo a medicina em Santa Bárbara, então distrito de Feira de Santana, Sisnando publicou no jornal Folha do Norte uma Carta Aberta onde ele atribui ao curandeirismo origem no animismo fetichista africano, reivindicando das autoridades policiais ações precisas contra o que ele definiu como “neurose coletiva”.Havia uma campanha de repressão aos candomblés e a associação destes ao curandeirismo, denominação jurídica das práticas de cura criminalizadas no Código Penal.
Mas não foi o Dr. Sisnando Lima o único a publicar uma Carta Aberta na imprensa local. Esta atitude havia sido desempenhada por
outro médico feirense, dez anos antes, em 1931, o Dr. Honorato Bomfim. Esse destacou de forma saliente a prática das parteiras, acusando-as de ameaçar, quando não subtrair, a “vida de muitas parturientes, que são quase sempre vitimas de infecções puerperais, e complicações outras” e a vida das criancinhas que são atingidas de omphalarragia e tétano umbilical, por falta de cuidados necessários”.
A carta de Sisnando é endereçada ao Dr. Jorge Watt, então delegado regional de Polícia. Com elogios rasgados, o médico feirense cobrava medidas enérgicas:
“Não fora a ameaça de uma ‘neurose coletiva’, não estaria a ventilar este assunto, solicitando de V. Excia. medidas drásticas que julgo imprescindíveis para o momento atual.
Até agora vinha encarando o fato como fonte de estudos sociais, analisando as suas causas remotas, buscando a sua origem, principalmente na transladação “ex-abrupto” do selvagem africano, para o seio de uma civilização adiantada”.
Sisnando desperta uma curiosidade, quando insinua que tendo encarado o fato como fonte de estudos sociais, buscava sua origem “na transladação ‘ex-abrupto’ do selvagem africano, para o seio de uma civilização adiantada”.
Antes um jovem estudante que se misturava com os agentes da capoeiragem na capital baiana, agora um médico sanitarista, oriundo da escola de medicina legal de Nina Rodrigues,influenciado pelas teorias da antropologia criminal. “O Professor Nina Rodrigues provou exaustivamente a freqüência da ‘Paranóia’ nos negros e mestiços brasileiros”, diz a carta em outro trecho.
E continua Sisnando, investindo de forma pejorativa contra os povos oriundos do continente africano:
“Nivelado ao seu antigo senhor pela abolição, de inteligência rudimentar, eivados de crenças e superstições – abraçando uma religião monoteísta, apanágio dos povos cultos, o seu
espírito atrofiado, torturado, não se poderia livrar as belezas metafísicas do cristianismo e qual novo Ícaro, caiu de azas partidas e rolou pelos cultos totêmicos do animismo fetichista
primitivo”.
Bel Pires é professor universitário. Esse artigo foi extraído da dissertação de mestrado.
NOTA DA REDAÇÃO: José Sisnando também foi professor em colégios particulares de Feira, além de vereador, tendo chegado a assumir a Prefeitura por alguns dias.