
Para quem labuta na imprensa, sempre é bom andar atento pelas ruas. Às vezes surgem novidades, nota-se uma situação nova, algo que pode render um artigo, um texto qualquer. Quando se viaja, então, a atenção redobra. Diferenças e semelhanças ajudam a entender os lugares, às vezes auxiliam numa compreensão macro, do próprio Brasil.
Ao longo de décadas – aqui, ali, alhures – fui percebendo uma mudança sutil que, no longo prazo, naturalizou-se, tornou-se a regra. Trata-se da proliferação dos pequenos negócios em bairros populares, em ruas e praças mais movimentadas. Antigamente o comércio se restringia às regiões centrais das cidades. Nos bairros, morava-se. Eventualmente havia um bar, uma barbearia, um armarinho, um supermercado.
É certo que o centro comercial de muitas cidades degradou-se, estimulando a descentralização, impulsionando alguns bairros. Mas a alavanca maior é bem mais complexa e sintetiza-se com uma expressão hoje quase onipresente: empreendedorismo.
Nas últimas décadas os empregos escassearam. Além das intermitentes crises econômicas – e políticas, que resvalam sobre a economia – o fato é que o mercado de trabalho mudou. Até há empregos, mas cada vez mais precários. O que fazer, então, para garantir o pão de cada dia?
Salões de beleza, bares, restaurantes, pizzarias, barbearias, minimercados, lojas de artigos de informática, de material de limpeza, de acessórios para celular, escritórios de contabilidade, distribuidoras de bebidas, pet shops, padarias, açougues, tudo isso se encontra nas ruas estreitas dos bairros periféricos. O trânsito costuma ser caótico: todo mundo estaciona, todo mundo manobra, todo mundo vai passando.
Numa rua movimentada, quem dispõe de uma garagem, mas não tem carro, improvisa ali um pequeno comércio; Quem mora em imóvel com quintal na parte da frente, também; quem não dispõe de tanto espaço, bate uma laje e faz o comércio no térreo. Há quem torne a própria sala de casa um microcomércio, os produtos expostos nas grades, atraindo a clientela.
Defronte aos estabelecimentos mais movimentados – ou naquelas calçadas com um estratégico recuo – fixam-se os pontos de transporte de entregas – o famoso delivery – e de embarque de passageiros. Enquanto aguardam clientes e encomendas, os motoqueiros descansam, capacetes depositados no chão ou nos troncos de árvores eventuais.
Não, não dá para ignorar o empreendedorismo nos dias que correm no Brasil, incluindo a precariedade que ele embute. A expressão, a propósito, é imprecisa e não abarca o caráter multifacetário deste tipo de atividade. Agrega, até mesmo, camelôs e ambulantes. Mas, mesmo inexata, consagrou-se a partir dos discursos dos consultores e coachs.
O segmento deveria atrair mais atenção da classe política. Afinal, as mudanças avassaladoras no mercado de trabalho são irreversíveis. O que um dia existiu, não vai mais retornar. É uma mudança muito profunda, alcança, aliás, a própria estrutura do capitalismo, mas isso é papo para acadêmico. Mas – reitere-se – é necessária mais atenção.
Como o papo está se espichando demais, volto a abordar o tema num próximo texto…
- Papo sobre empreendedorismo (2) - 20/08/2025
- Papo sobre empreendedorismo (1) - 19/08/2025
- É salutar discutir a Micareta - 14/05/2025