
Um dos livros mais marcantes que já li foi Gomorra, do jornalista italiano Roberto Saviano. A obra, publicada em 2006, mistura jornalismo investigativo, relato pessoal e literatura, revelando os bastidores da Camorra, a poderosa organização criminosa de Nápoles, no sul da Itália. Pensava que, em alguma medida, o livro antecipava o que poderia acontecer no Brasil, num futuro incerto, caso o crime por aqui adquirisse o status de máfia.
Minuciosa, a obra revela com abundância de detalhes como a máfia transita por diversos setores da economia italiana: do tráfico de drogas ao mercado da moda, passando pela construção civil, pelo comércio de lixo tóxico e até pelo transporte marítimo. A Camorra não se limita a atividades ilegais, recorrendo à economia formal para lavar vultosas somas de dinheiro. O livro – tremendo sucesso editorial – inspirou também um documentário.
Pois bem: a operação realizada pela Polícia Federal semana passada para desmantelar um esquema criminoso de lavagem de dinheiro do Primeiro Comando da Capital (PCC) deixou-me surpreso. Não supunha que, no Brasil, o crime já movimentasse somas tão vultosas, nem de maneira tão sofisticada e disseminada. Certamente me enganei: por aqui, o crime talvez não tenha suplantado ainda as máfias italianas, mas demonstra que não está tão longe disso.
Note-se que, até o momento, o noticiário é superficial e não traz muitos detalhes. Faltam reportagens de fôlego para revelar minúcias sobre como o crime passou a operar no Brasil. Mas, desde já, sabe-se que um magote de políticos – patriotas, honestos, cristãos, conservadores – talvez esteja envolvido com o esquema. Pode ser que isto explique o ensurdecedor silêncio desta gente sobre a operação.
Ninguém veio a público recitar que “bandido bom é bandido morto”, nem abjurar a corrupção, ou defenestrar as organizações criminosas. Bem esquisito o silêncio. Os tempos, no Brasil, estão estranhos: democratas irredutíveis defendem golpes de estado; patriotas impenitentes abraçam interesses estrangeiros; agora, infatigáveis adversários do crime calam-se diante do crime. Muito estranho. Mas devo estar entendendo errado.
O certo é que o crime atua com desenvoltura, sofisticação e ousadia impressionantes no Brasil. Batedores de carteira, descuidistas, ladrões miúdos de celular operam às vistas e no varejo. Estão, portanto, expostos à sanhas das ruas e dos histéricos apresentadores dos programas Mundo Cão. Os criminosos graúdos, não. Escapam até mesmo dos discursos coléricos nos parlamentos, onde são solenemente ignorados…
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