Os estudos sobre a escravidão na Bahia ainda se concentram em sua maioria em Salvador e no Recôncavo do estado. Estes são largamente difundidos na literatura sobre o tema, com abordagens acerca das relações quantitativas e qualitativas dos engenhos de cana de açúcar situados em sua maioria na capital do Estado e na região do Recôncavo da Bahia.
Entretanto, Feira de Santana, permanece, na sua história oficial, associada à sua condição de entreposto comercial e à pecuária, apesar dos estudos recentes acerca da experiência da escravidão na cidade.
Embora os dados do IBGE (2010) apontem que a cidade possui cerca de 50% de população negra, a existência de escravidão e a contribuição da população negra na formação e desenvolvimento da cidade são comumente negadas.
Feira de Santana teve sua história oficial constituída a partir da centralidade enquanto local de passagem de boiadas e vaqueiros. Desde o início da década de 1990 o município tem se ampliado enquanto objeto de trabalhos acadêmicos que buscam tratar da história da cidade e, por vezes da experiência da escravidão.97. Mais recentemente, a escravidão vem tomando maior importância nos estudos realizados por historiadores formados na UEFS98.
A partir da década de 1990, surgem os primeiros trabalhos historiográficos que questionam a condição de entreposto comercial da cidade e o seu mito de origem relacionado ao comércio de gados e que tratam da escravidão.
É possível destacar os seguintes trabalhos: ANDRADE, Celeste Maria Pacheco de. Origens do povoamento de Feira de Santana: um estudo de história colonial. Salvador. Dissertação de Mestrado, UFBA, 1990. LIMA, Zélia de Jesus. Lucas Evangelista: o Lucas da Feira: um estudo sobre a rebeldia escrava em Feira de Santana. Salvador. Dissertação de Mestrado, 1990. OLIVEIRA, Clóvis Frederico Ramaiana Moraes. De Empório a Princesa do Sertão: utopias civilizadoras em Feira de Santana (1893-1917). Dissertação de Mestrado. – Salvador: UFBA, 2000. FREIRE, Luiz Cléber Moraes. Nem Tanto a Terra, Nem tanto ao Mar: terra, gado e escravidão no Vale do Jacuípe (1833 – 1888). Feira de Santana, BA. UEFS Editora, 2011; NASCIMENTO, Flaviane Ribeiro, E as mulheres da Terra de Lucas? Quotidiano e resistência de mulheres negras escravizadas (Feira de Santana, 1850-1888). TCC em Lic. em História, UEFS, Feira de Santana/BA, 2009; NASCIMENTO, Flaviane Ribeiro. Viver por Si: histórias de liberdade no agreste baiano oitocentista (Feira de Santana, 1850-1888). Dissertação de mestrado em História, Salvador, BA: UFBA, 2012;SENTO SÉ, Frederico Nascimento. Memórias da Matinha. TCC em Licenciatura em História, UEFS, Feira de Santana/ BA, 2009. JESUS, Yves Samara Santana de. Batismo de Africanos na Freguesia de São José das Itapororocas – Feira de Santana, 1785 -1826. TCC em Lic. em História, UEFS, Feira de Santana/BA, 2010.
A Universidade Estadual de Feira de Santana a partir da criação, em 1999, do Centro de Documentação e Pesquisa (CEDOC/UEFS) – setor que possui a custódia de parte da documentação judiciária oriunda do Fórum Municipal Desembargador Filinto Bastos – passou a ocupar um lugar central neste processo.
A partir da criação do Centro, tornou-se possível a análise de aspectos do cotidiano da cidade ao longo dos séculos XIX e XX, o que possibilitou a realização de muitos trabalhos em História Social, bem como foi possível que pesquisadores/as tivessem acesso à documentação notarial relacionada à escravidão na cidade.
Estes estudos, surgidos neste contexto, nos apresentam Feira de Santana como um território de passado escravista, com engenhos, em menor quantidade que os do Recôncavo do estado, concentrados em sua maioria na região de Humildes e Limoeiro, localizada na parte sul da cidade com solo mais propício à exploração monocultora.
Já a porção norte da cidade, que possui solo e clima característico do agreste baiano é justamente onde estão localizadas as comunidades quilombolas da região, posto que por conta do difícil manuseio do solo é pouco provável que houvesse um interesse significativo pelo desenvolvimento de grandes propriedades monocultoras na região.
Feira de Santana possui apenas duas comunidades quilombolas certificadas pela Fundação Cultural Palmares. São elas a comunidade de Matinha dos Pretos (foto), localizada no distrito de mesmo nome e Lagoa Grande, localizada no distrito de Maria Quitéria, além de outras ainda não certificadas mas que são identificadas por pesquisadores/as e órgãos oficiais enquanto comunidades negras rurais quilombolas, a saber: Candeal, no distrito de Matinha; Lagoa Salgada, Lagoa da Negra e Roçado em Maria Quitéria.
Destaco que as comunidades remanescentes de quilombos localizadas em Feira de Santana são comunidades formadas por proprietários/as de terras, que reivindicam a certificação perante à Fundação Cultural Palmares sem a presunção da demarcação das terras pelo INCRA com finalidade de emissão de títulos das terras, pois estes já possuem a titulação das terras.
Railma dos Santos Souza possui graduação em História pela Universidade Estadual de Feira de Santana (2013) e mestrado em História da África, da Diáspora e dos Povos Indíge pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (2016). Atualmente doutoranda do Programa de Pós Graduação em História da UFBA. , atuando principalmente nos seguintes temas: matinha dos pretos, escravidão, feira de santana (ba) e memórias da escravidão.
Este texto é um trecho extraído do trabalho Memória e História Quilombola, Experiência Negra em Matinha dos Pretos e Candeal, apresentado à Banca Examinadora do Mestrado Profissional em História da África, da Diáspora e dos Povos Indígenas, como exigência para a obtenção do título de Mestre em História.
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