Em meados de 2014, ganhou notoriedade no Brasil uma figura que surfou na tendência global que produziu a vitória de Trump, do Brexit e de outros políticos nacionalistas de direita pelo mundo: Jair Messias Bolsonaro. No dia 28 de outubro de 2018, na condição de candidato do Partido Social Liberal (PSL) à Presidência da República Federativa do Brasil, Bolsonaro recebeu os votos de cerca de 57 milhões de brasileiros e foi eleito presidente.
Após as eleições de 2014, Bolsonaro parece ter percebido o avanço do conservadorismo na composição do Congresso Nacional, o que muitos chamam de bancada BBB – bala, boi e bíblia – políticos que pedem a legalização das armas e que centram seus discursos na segurança, os que representam os latifundiários e pecuaristas e os deputados religiosos evangélicos. O, até então, deputado federal tornou-se cada vez mais conhecido nacional e internacionalmente por suas posições nacionalistas e conservadoras, além de suas duras críticas ao comunismo e à esquerda. Além de defender temas controversos, como a ditadura militar, a tortura como prática legítima e o cerceamento de direitos civis de minorias.
Para muitos, Bolsonaro é a materialização do autoritarismo moderno no Brasil e sua ascensão ao poder marca o enfraquecimento da democracia brasileira. Mas como podemos afirmar se o presidente tem ou não compromisso com a manutenção da democracia? Como saber se ele, de fato, representa um perigo para o regime democrático brasileiro? Em seu livro, “Como as Democracias Morrem”, os pesquisadores Levitsky e Ziblatt elencam quatro parâmetros que poderiam ser usados na identificação de um possível autocrata – um líder, que após ser eleito democraticamente, faz uso das instituições e até mesmo da própria Constituição, para expandir seu poder de forma arbitrária, tornando-o absoluto – e são eles: a) compromisso débil com as regras do jogo democrático; b) negação da legitimidade dos oponentes; c) tolerância ou encorajamento à violência e; d) tendência a restringir liberdades civis de rivais e críticos. Ao longo de seus anos como deputado federal, durante a corrida eleitoral e após ser eleito presidente, Jair Bolsonaro coleciona uma série de declarações polêmicas reunidas aqui na tentativa de relacioná-las com os parâmetros citados anteriormente. E aqui vão alguns deles:
- Em 1999, durante o segundo mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso, o então deputado federal esteve no centro de uma polêmica no Congresso Nacional, quando parlamentares chegaram até a pedir sua cassação. Tudo foi motivado por declarações feitas por Jair na televisão. Convidado do programa “Câmera Aberta”, da TV Bandeirantes, na madrugada do dia 24 de maio de 1999, o deputado defendeu o fechamento do Congresso e a morte de “uns 30 mil, começando com FHC”. Na opinião dele, na época, só assim o Brasil poderia mudar. Além disso, afirmou que nada se resolveria no país através do voto. Durante a entrevista, o apresentador perguntou a Jair: “Se você fosse, hoje, o presidente, você fecharia o Congresso Nacional?” No que, Bolsonaro, em seu terceiro mandato como deputado federal, respondeu: “Não há a menor dúvida, daria golpe no mesmo dia. Não funciona! Tenho certeza que pelo menos 90% da população ia fazer festa e bater palma. O Congresso hoje em dia não serve pra nada, xará. Só vota o que o presidente quer. Se ele é a pessoa que decide, que manda, que tripudia em cima do Congresso, então dê logo o golpe, parte logo pra ditadura”.
- Em diversas ocasiões, Jair classificou seus oponentes do Partido dos Trabalhadores como criminosos. Durante a corrida eleitoral, uma das justificativas dadas pelo candidato para o não comparecimento aos debates políticos, seria a falta de legitimidade de seus adversários. Além de se referir ao seu adversário, Fernando Haddad, como um mero “fantoche” do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que seria o real candidato. Bolsonaro declarou ainda, para apoiadores em São Paulo, que “os marginais vermelhos serão banidos de nossa pátria”. E que o candidato presidencial Fernando Haddad e o líder do PT no Senado, Lindbergh Farias, fariam companhia ao ex-presidente Lula na cadeia.
- Bolsonaro também já deu declarações favoráveis a existência de grupos de extermínio. Em 2003, dirigiu-se ao microfone do plenário da Câmara dos Deputados e fez veemente defesa dos crimes de extermínio, fazendo referência a ação de um “esquadrão da morte” que vinha aterrorizando o estado da Bahia. “Quero dizer aos companheiros da Bahia, há pouco ouvi um parlamentar criticar os grupos de extermínio, que enquanto o Estado não tiver coragem de adotar a pena de morte, o crime de extermínio, no meu entender, será muito bem-vindo. Se não houver espaço para ele na Bahia, pode ir para o Rio de Janeiro. Se depender de mim, terão todo o meu apoio, porque no meu estado só as pessoas inocentes são dizimadas. Na Bahia, pelas informações que tenho a marginalidade tem decrescido. Meus parabéns!”.
- Em uma coletiva de imprensa realizada em maio de 2019, a jornalista Marina Dias questionou Bolsonaro sobre o corte de recursos para a educação. Bolsonaro respondeu diferenciando corte de contingenciamento. Quando a repórter questionou novamente que se tratava de um corte, ele se irritou e declarou: “Você é da Folha? Primeiro, vocês da Folha de S.Paulo têm que entrar de novo em uma faculdade que presta e fazer um bom jornalismo. É isso que a Folha tem que fazer, e não contratar qualquer uma ou qualquer um para ser jornalista, para ficar semeando a discórdia e perguntando besteira por aí e publicando coisas nojentas”. Nessa ocasião a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) afirmou que ao “estimular um ambiente de confronto e intimidação contra jornalistas e veículos de mídia, Bolsonaro se afasta do compromisso democrático que assumiu ao tomar posse, e fica mais próximo dos governantes autoritários, de diversos matizes ideológicos, que buscam demonizar a imprensa por ver nela um obstáculo a seus projetos de poder. Sempre que há restrições à liberdade de imprensa e de expressão, quem perde é a sociedade”.
Por fim, podemos concluir que enfrentamos um período, vivenciado pelo mundo inteiro, de retrocesso das democracias. Uma onda antidemocrática e autoritária vem ganhando força nos países do globo, não apenas em democracias mais recentes, como também em países com democracias sólidas. Qualquer político que apresentasse, mesmo que, apenas uma dessas características, deveria ser considerado um perigo para a democracia. Bolsonaro não apenas rejeitou as regras do jogo democrático durante sua carreira política, mas, na verdade, o fez de forma aberta e ofensiva, mais do que outros políticos com perfil autocrático.
O retrocesso democrático que experimentamos pode representar também um perigo para a economia. Vejamos o exemplo da Venezuela, ou da Turquia e Hungria: todos os três se depararam com dificuldades econômicas assim que seus líderes autocráticos começaram a agir. Sem as instituições que analisam suas decisões, não há nada que possa evitar que os líderes autoritários façam escolhas que prejudiquem a economia no curto, médio ou longo prazo. Não há nada que os faça tomar decisões além daquelas que beneficiem seus interesses pessoais e dos grupos que os apoiam.
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