Jair Bolsonaro faz parte do grupo seleto de líderes que deliberadamente escolheram negar os perigos do vírus. Ao lado de Alexander Lukashenko da Bielorrússia, Gurbanguly Berdymukhamedov no Turcomenistão e Daniel Ortega na Nicarágua, Bolsonaro forma a “Aliança Avestruz”, apelido dado pelo professor Oliver Stuenkel da Fundação Getúlio Vargas, em referência ao mito de que o animal enterra a própria cabeça na terra quando enfrenta algum perigo.
Todos esses líderes colecionam uma série de declarações polêmicas e negacionistas relacionadas a pandemia: Bolsonaro foi a público quando o país marcava 305 óbitos pelo vírus dizer que juntaria pastores e outros líderes religiosos para “pedir um dia de jejum ao povo brasileiro em nome de que o Brasil fique livre desse mal o mais rápido possível.”; Lukashenko chamou a pandemia de psicose e recomendou que a população frequentasse mais saunas e consumisse vodca para acabar com o vírus; Ortega declarou que o vírus era um “sinal de Deus” e mesmo contando com cerca de 28 mil kits de testes doados pelo Banco Centro-Americano de Integração Econômica, não testa ninguém no país; Berdymukhamedov determinou que seus ministros usem a fumaça de uma erva chamada “harmala”, um alcaloide, para matar os “vírus invisíveis aos olhos”.
Fonte: Monitorando Covid @FioCruz. Elaboração: Yasmin Oliveira
Bolsonaro, desde o primeiro registro de Covid-19 no Brasil, refugia-se no núcleo mais fervoroso do seu eleitorado que acredita que a pandemia deve ser minimizada e o foco deve estar voltado para ações de contenção da crise econômica. Afinal, na cabeça desse grupo, os problemas econômicos precedem os problemas sanitários e, como declarou o presidente “Não adianta… Se não for hoje [o contágio], é semana que vem ou mês que vem. É uma realidade. Devemos cuidar dos mais idosos e daqueles que têm problemas de saúde. Os demais, logicamente, tenham cuidado também, mas têm que trabalhar.” Mas, ao assumir essa posição, Bolsonaro colocou em jogo como a população avalia seu governo e a aprovação de seus apoiadores menos radicais.
No geral, a pandemia do novo coronavírus está influenciando positivamente a avaliação de líderes mundiais pelas populações de seus países. Até Boris Johnson, na Grã-Betanha, que agiu inicialmente com desdém em relação a pandemia, viu sua popularidade aumentar após ter mudado sua política e defendido o isolamento social. Na contramão, Bolsonaro não conseguiu melhorar a avaliação de seu governo durante a crise, mas também não parece ser lido como um governante pior. O presidente mantém sua taxa de avaliação ótima ou boa na faixa dos 30% desde abril de 2019, segundo o Datafolha. Nem Donald Trump conseguiu a proeza de manter seus índices de aprovação mediante sua condução inapropriada da crise sanitária. Então, qual o segredo de Bolsonaro?
Fonte: Datafolha. Elaboração: Yasmin Oliveira
Em primeiro lugar, a estratégia política do Presidente deu certo. Bolsonaro assumiu desde o princípio uma atitude negacionista e não titubeou uma única vez, mesmo com todas as pressões da mídia nacional e internacional. Ao jamais assumir a responsabilidade, Bolsonaro não é visto como o responsável pela crise. Em pesquisa do Datafolha, 47% dos brasileiros avaliaram que Bolsonaro não tem nenhuma culpa pelas 100 mil mortes causadas pela pandemia de Covid-19. E ainda melhor para o Presidente, dentro do grupo que avalia o Governo como ótimo ou bom, apenas 17% o atribuem alguma culpa, mas não a principal e apenas 1% o veem como o maior culpado.
Em segundo lugar, a crise do novo coronavírus não atingiu apenas o sistema de saúde, mas também expôs a população economicamente vulnerável. Uma das medidas provenientes do Governo Federal, articulada pelo Congresso, relacionadas à pandemia e como forma de amparar essa população foi a criação do auxilio emergencial, que já beneficiou 65,8 milhões de brasileiros e se tornou a principal medida econômica do Governo em meio à crise. Com base nos microdados da Pnad-Covid, um estudo realizado pelo Centro de Estudos em Microfinanças e Inclusão Financeira da FGV-EAESP mostrou que, sem o auxílio, a renda média dos brasileiros empregados cairia 18%.
Dentre as profissões que seriam mais atingidas pela queda em seus rendimentos estariam aquelas mais ligadas à informalidade e aos trabalhadores autônomos: i) cabeleireiro e manicure (-42%); ii) vendedor ambulante (-38%); iii) motorista de aplicativo e táxi (-36%) e, iv) vendedor a domicílio (-33%). Ao levar em conta o auxílio emergencial, a pesquisa aponta que a situação muda drasticamente. O benefício foi capaz de, na média, mais que compensar as perdas na renda dos contemplados: o rendimento médio daqueles que tiveram acesso ao benefício aumentou 24% em relação ao nível pré-pandemia do novo coronavírus.
Fonte: Datafolha. Elaboração: Yasmin Oliveira
Dado esse contexto, uma pesquisa do PoderData, divulgada no último dia 07, aponta que o governo do presidente Jair Bolsonaro é aprovado por 50% dos brasileiros que receberam ou estão aguardando para receber o auxílio emergencial. A desaprovação da administração federal nesse grupo é de 37%. A mesma pesquisa, um mês atrás, apontava que 46% dos beneficiários do chamado “coronavoucher” afirmavam aprovar o Executivo e 39% desaprovavam. A mesma pesquisa indica que 42% dos brasileiros que já receberam ou aguardam receber o auxílio emergencial votariam em Jair Bolsonaro para uma possível reeleição em 2022.
Fonte: Poder Data. Elaboração: Yasmin Oliveira
Parece claro que o programa tem impacto direto na popularidade do Presidente e na situação política do Governo. Uma política dessa magnitude, com um impacto direto na vida dos mais pobres, possui grandes potenciais políticos. Ciente disso, o presidente lançou mão de esforços para atrelar sua imagem ao programa, compartilhou vídeos em suas redes afirmando que o Governo Federal não mediu esforços para prestar auxílio à população e compartilhou em seu Twitter que o Executivo foi o responsável por chegar ao valor de 600 reais mensais.
Os números da popularidade do presidente vêm melhorando entre as parcelas da população de baixa renda. O presidente Jair Bolsonaro está com a melhor taxa de avaliação desde o início de seu mandato, chegando ao patamar de 37% dos brasileiros que consideram o governo bom ou ótimo. O auxílio foi responsável, inclusive, por começar a reduzir a resistência em relação ao Presidente no Nordeste, onde 45% da população recebeu o benefício. Segundo o Paraná Pesquisas, há quatro meses, 30,3% da população do Nordeste dizia aprovar o governo, esse número avançou para 39,4% em julho. A proporção dos que desaprovam o governo recuou 9,3% no mesmo período. Até o Planalto aposta que, se Bolsonaro aprovar seu programa Renda Brasil, extensão do auxilio emergencial, ninguém tira o Nordeste dele. E, muito provavelmente, em 2022 será o favorito – e talvez o vencedor – na corrida presidencial.
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