As memórias dos/as moradores/as remetem ao período da escravidão, quando teria existido o quilombo da Matinha, esta seria a origem do nome da localidade, Matinha “dos Pretos”.
Já a memória da formação territorial da região em que fica a praça da comunidade remete ao “fincamento” do Cruzeiro, que segundo os moradores, resulta de uma promessa por parte de uma moradora da localidade de Matinha a São Roque, quando da epidemia de peste bubônica ocorrida no povoado de Jacú.
Antônia, segundo os/as moradores/as, prometeu a São Roque, que se a epidemia não se alastrasse até a comunidade, esta mandaria fazer um cruzeiro em sua homenagem. Não chegando a epidemia até a localidade, a moradora cumpriu com a sua promessa, o que levou à sequente fundação da capela da Matinha e à construção de casas aos redores, dando origem à atual comunidade de Matinha dos Pretos, sede do distrito de mesmo nome.
São Roque é considerado o santo protetor dos doentes, pois teria dedicado toda a sua vida a cuidar destes, além da fama de que por onde passava, a peste desaparecia como que a correr dele. Sincreticamente, o santo é associado ao orixá do candomblé e umbanda Omulu, que ainda é identificado por Obaluaê, Xapanã ou Sapatá.
O jornal Folha do Norte de 1922 traz matérias sobre a peste bubônica que afetou a população do arraial de Jacú, pertencente então à freguesia de São José das Itapororocas, aquela atualmente pertencente ao distrito de Matinha.
O jornal traz algumas notícias sobre “casos suspeitos” e sobre a atuação do governo no combate à doença na cidade. Conforme notícia veiculada no jornal do dia 09 de fevereiro de 1922:
Peste Bubônica? Tendo apparecido casos suspeitos da peste bobônica [sic] nos arraiais de Jacú e s. Vicente, deste município, o Sr.cel. Intendente municipal telegrafou hontem ao governo do Estado pedindo providências.
Em edição inicial do mês de março – 04 de março de 1922 – o jornal traz informações sobre o decréscimo da peste no arraial do Jacú
“Graças ao esforço intelligente e bem orientado da comissão que o governo estadual incumbiu de combater, no arraial do Jacú, a peste bubonica, vai ela decrescendo ali.”.
O jornal traz, em edições dos meses seguintes, instruções sobre como combater a doença e sobre o seu enfrentamento pelo governo. A edição de 05 de agosto do mesmo ano apresenta como matéria de capa do jornal, na coluna de título “Commentarios”, o texto intitulado “Sobre a peste negra”. Neste artigo são apresentadas informações sobre a ocorrência da doença em diversos locais do país, do estado e nas localidades da vizinhança:
“Agora pesa accentuadamente o enfortunio sobre o municipio de Feira de Sant’Anna, graças á irrupção do mal leva no lugarejo denominado Jacú, a certa distancia da formosa cidade sertaneja. Além da Feira, lugares outros de grande importância agrícola, pecuária e commercial, estão ameaçadas pela tremenda desgraça. São elles: São Vicente, Santa Barbara, Tanquinho, Almas, Bonfim, para citar apenas os de maior valor no referido município. Isso, sem esquecer que em pontos dos convizinhos municípios de Riachão e Serrinha, simultaneamente, varios casos de peste se tem verificado. Destarte, prevê-se a provavel descida do mal ao Reconcavo e sua ascenção aos sertões, de que a Feira é um dos pórticos.”
A notícia parece ter a intenção de distanciar a epidemia da cidade de Feira de Santana, então em processo de urbanização emergente, quando se refere ao povoado de Jacú como “lugarejo denominado Jacú, a certa distância da formosa cidade sertaneja”, denotando assim o compromisso político do jornal com a civilização da cidade, colocando a epidemia enquanto problema típico da zona rural, embora ao citar outras localidades vítimas da epidemia tenta mostrar que não apenas a “Princesa do Sertão” fora vítima de tamanha desgraça.
O processo de urbanização nas grandes cidades brasileiras inicia-se ainda no século XIX, quando da chegada da Família Real portuguesa no Brasil, no caso do Rio de Janeiro em especial. Porém a urbanização torna-se norma no país em fins do século XIX, quando da proclamação da república.
No Rio de Janeiro, o processo de urbanização caracterizou-se pela tentativa de controle da população pobre, formada em sua maioria por negros egressos do cativeiro, que habitava os cortiços, considerados como locais fétidos, proliferadores de doenças como febre amarela, peste bubônica, dentre outras.
Na cidade de Salvador, o processo de urbanização/modernizador tinha como principal entrave o elemento negro da sociedade, pois este com práticas consideradas pelo Estado enquanto criminosas e incivilizadas, como a capoeira e o candomblé impedia o desenvolvimento da cidade. Surge, então nesse momento, a legislação de repressão à vadiagem, inserida numa ideologia de “desafricanizar as ruas”, de retirar da cidade os seus “ares de mulata velha” .
Na cidade de Feira de Santana, o processo de urbanização/modernização das ruas se dá em um período compreendido entre as décadas de 1930 e 1940, em que o alvo da política era o antigo morador do campo que trazia consigo os hábitos rurais. Porém, já na década de 1920, em consonância com o pensamento higienizador vigente na época, percebe-se a presença dessas políticas na cidade, quando do processo de combate a epidemias de peste bubônica em localidades rurais.