Por que pouco se vê a moda de mulheres usando lenço de cabeça em Feira de Santana? A resposta está em um preconceito.
Um dia procurei entender isso, conversando com mulheres mais idosas aqui na princesa do sertão, inclusive com colegas professoras e encontrei esta explicação.
Feira já foi uma região de grande produção de fumo, possuindo em sua zona urbana grandes depósitos de seleção, beneficiamento e comercialização do produto, que empregava um grande contingente de mulheres.
Estes depósitos eram chamados localmente de trapiches, e, as mulheres que neles trabalhavam eram chamadas de trapicheiras.
Em depósito de fumo o cheiro é muito forte e impregnante, e digo isso com experiência própria, pois meu pai comercializava fumo de rolo, tendo ao lado da casa o depósito de beneficiamento onde muito trabalhou, virando corda de fumo no sari.
Pois bem, as trapicheiras para se livrarem do cheiro forte e impregnante do fumo, trabalhavam todas com a cabeça envolvidas em lenços improvisados de todo tipo de pano disponível, para que o forte odor não tomasse o cabelo.
As trapicheiras pertenciam à classe social mais pobre e o lenço na cabeça dava a sua identidade.
Para quem conhece hoje a periferia de Feira não deve ter dúvida alguma de que este contingente de operárias era de mulheres negras.
Usar lenço na cabeça era para mulher trapicheira. Para as mulheres da elite, nunca. O lenço era um dos elementos geradores de uma identidade negativa e agregava mais discriminação.
Não é de se espantar que com o fim dos trapiches, o lenço sumiu, inclusive para as mulheres mais pobres, abandonando aquele objeto de uso pessoal “mal visto”, do ponto de vista de classe
Isto prova que o presente que vivemos não se separa do passado.
Hoje vejo uma excecão nas mulheres negras que assumiram a luta contra a discriminação racial e as mulheres do axé usando o turbante, resgatando uma identidade, com o tubante afro.
Aqueles Lenços imitando seda, que no dia de feira se vendia às dúzias na loja da minha mãe em Seabra, até hoje pouco vejo em Feira.
Passado e presente ainda juntos.
Maralvo Barreto, professor e geógrafo.