EU NÃO QUERIA SAIR DAQUI
/ Eu não queria sair daqui.
Pelo menos esta noite eu não queria sair daqui.
Positivamente não queria.
O coração bate num compasso bom,
o silêncio do vulto daquelas árvores é bom.
Até o ronco distante de caminhões na estrada é bom.
Fazem-me pensar que existo, porque tudo existe.
Ou porque existo, tudo existe.
Mas este não é também o momento de filosofar.
Filosofar é sempre viver menos.
O que eu não queria mesmo era sair daqui.
Pelo menos esta noite. Uma noite, bem se vê, igual
a todas: a ordem material das coisas anda
sobre os trilhos.
Ademais – ora, ademais! seremos agora prosaicos? –
já naveguei alguns mares voei alguns ares fiz uns
rastros (leves, é verdade), de modo que –
não, não sairei
daqui.
/ Olho o céu já quase escuro
e sinto uma certa pena das estrelas.
Sou mais feliz que todas as estrelas.
As pernas estiradas sobre a mesa,
vejo-as passar – e eu aqui.
Parte de nós
é carne
ou que nome se dê ao álcool maior, à
razão esquiva, esta boba que sequer bebe
ou vê aquelas estrelas
como as vejo, passageiras.
Porque toda estrela é passageira. Na palma
da nossa mão, pesa um oh!
/ Mas não vens. Nem te quero
– carne, metafísica ou lucidez – não
te quero. Estou aqui e hei de estar aqui.
Aquela que chamei de Ana morrendo um pouco
no peito. E envelheço. Ana,
não. Ela é a mesma nos seus vinte anos.
Inventar é parar o tempo, eterno é o que amamos. Ana
está aqui. Eis que chega. Vem da fonte.
Passou por mim com o jarro de água no ombro,
a blusa molhada a transluzir seus seios.
Mas é noite, não a vi. Não a vi.
Ana é só o vulto a confundir-se com a Ursa
Maior. Nesta cadeira
conto dias. E escurece. Um homem
é só esse contar dos dias enquanto a noite desce.
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