A charque – ou carne-seca, sinônimo costumeiro, embora sejam produtos diferentes – sempre foi importante na dieta do sertanejo. A literatura especializada indica que seu consumo se iniciou nos primórdios da colonização, quando os portugueses começaram a desbravar o semiárido nordestino para plantar cana-de-açúcar e criar gado, num sistema de pecuária extensiva.
No preparo da charque, o sal e o processo de desidratação permitem que o alimento dure mais tempo. Isso era essencial naqueles tempos em que não existia a comodidade de eletrodomésticos como a geladeira. Junto com a farinha – que, armazenada sob condições adequadas, também tem grande durabilidade – e o café, eram os principais alimentos consumidos naqueles tempos remotos.
As mudanças radicais na vida dos nordestinos desde então – a urbanização acelerada, a industrialização, a ascensão do comércio e dos serviços a partir da segunda metade do século XX – não foram suficientes para arrefecer a predileção pela charque. O produto segue prestigiado, o que visitas a supermercados, mercadinhos, mercados e feiras-livres podem atestar.
No Centro de Abastecimento a charque está disponível no Galpão de Carnes, mas também naquele que comercializa cereais. No Galpão de Carnes as mantas se sucedem sobre as bancas, principalmente às segundas-feiras e aos sábados, quando o movimento no entreposto é maior. Às vezes, é possível encontrar o produto em vitrines refrigeradas, mas prevalece o hábito da comercialização in natura, nos balcões, conforme costume ancestral.
No Galpão de Cereais a charque contracena com o bacon, com a linguiça portuguesa e com o paio, sobre os balcões dos boxes, alguns deles acanhados. Nas prateleiras, em segundo plano, a infinidade de produtos que abastecem os que se aventuram pelos corredores de cimento do entreposto. Quem passa, não costuma escapar da oferta: “Charque, freguês?”.
Sertanejo aprecia, com entusiasmo, charque frita com ovo, mas não dispensa o produto no feijão. Nem precisa bancar feijoada, prato mais caro e de preparo mais complicado: aquele feijão simples que se consome no dia a dia ganha sabor adicional com o pedaço de charque, a linguiça portuguesa fatiada, a folha de louro.
Pois bem: manter os hábitos alimentares não está brincadeira. Hoje, numa pesquisa de consumidor – aquela sem ambições científicas, acadêmicas – constata-se que o preço do produto varia entre R$ 37 e R$ 47. Custa, portanto, mais de 10% do valor do badalado Auxílio Brasil. A charque mais barata é aquela com espessas camadas de gordura, mais apropriada para o feijão. Quem aprecia o produto frito tem que gastar mais. Não é à toa que a proteína vem sumindo do prato do brasileiro: os preços sobem vertiginosamente e a renda, achatada, não acompanha.
Também não está fácil garantir o feijão com farinha do cotidiano: o quilo do feijão, lá no mesmo Galpão de Cereais do Centro de Abastecimento, chega a custar R$ 8,50. Farinha de melhor qualidade também está cara: R$ 6. Os preços foram observados como amostra, não constituem média, nem levantamento rigoroso. Apenas atestam como a qualidade de vida do brasileiro vem caindo e como o País está à deriva, sem rumo, sob a inflação vertiginosa…
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