Dona Maria, que poderia ser Dona Joana, que poderia ser Senhor Jeremias, Senhor José, adentra o supermercado no início de agosto de 2022. Procura não ter pressa, pois a mesma é inimiga da compra bem feita e o ritual de comprar alimentos mudou radicalmente desde a pandemia do coronavírus, afinal de contas os preços subiram por demais, e não lhe sai da mente o que o professor falou na TV, sair de casa sabendo o que vai comprar, resistir as promoções, deixar o filho chorar pedindo aquele produto que vai lhe estragar os dentes, talvez nem levar o filho. Ela aprendeu a usar o aplicativo do governo estadual, o tal do PREÇO DA HORA, e desde então sai de casa sabendo onde vai ser mais barato.
Também aprendeu os dias das ofertas de hortaliças, a tal da segunda sempre verde, dia dos laticínios, já vai na boa, suave na nave. Passa pela sua vizinha de condomínio perdida com a velha lista de papel, carrinhos emparelhados, ela renega o açúcar, pois, por incrível que pareça, o preço do mesmo no mercadinho do bairro está melhor. Tudo bem que fica aquela dúvida, se aquela mercadoria não é roubada, afinal as cargas estão sendo saqueadas mais que o normal, conforme leu no Fórum de Segurança Pública, informação é tudo, mas a necessidade de comprar diz que se o açúcar for ou não roubado, é caso de polícia e não de cliente com pouca grana, que aliás tem de fazer mais artimanha e peripécia para caber o valor do botijão de gás que logo logo vai acabar.
Lembrou que um dia consultando o IBGE lá estava que 40% da população vivia com até meio salário, discordou, pois ninguem vive com isso, vegeta. Se Karl Marx previu o exército industrial de reserva, o Paulo Guedes está criando o exército famélico do Auxilio Brasil, bem diferente do Bolsa Família que era política de governo. Mas erradicar a fome não é prioridade, reeleger o maluco sim.
Puxa, a lentidão que se arrasta pelos corredores do supermercado permite estas reflexões pesadonas, também o corredor está quase vazio e bem diferente de dez anos atrás. Parece que as pessoas saíram do supermercado e foram para os semáforos pedir esmola, e até ali a tecnologia chegou, hoje eu vi um colombiano sem uma perna pedindo pix, pois estava desempregado e com fome.
Continua a saga e chega na seção “combustível do pobre”, e observa que não teve redução no preço do café e do leite. Disseram na tv que era por causa da guerra, mas o café não vem de Mucugê? E o leite não vem da fazenda de Seu Zé? Ah, mas dizem que a ração vem das Zoropas, e que o braquiara não é mais aquele capim. Vai entender as coisas que aquele professor fala na TV sobre Economia, soube até que ele está falando as leotrias num programa de rádio, ah professor, pobre não quer conversa, pobre quer dinheiro, e por falar nisso, chega à seção de óleo e o de girassol nem aparece mais, o de soja a um preço imenso, mas de novo o aplicativo informa que no concorrente o preço está menor, coitada da vizinha que de cara amarrada meteu 4 garrafas, ela não pesquisa no aplicativo. Basta baixar na play store: preço da hora e se não for feliz, pelo menos se consegue um desconto razoável.
Uma coisa é notada, sumiram aquelas criaturas lindas que se intitulavam promotores de venda, olha que dava para fazer um rango maneiro com as degustações de produtos, o filho mesmo, adorava os biscoitos. Agora é solidão e somente quebrada pelas esposas flagrando os maridos com amantes, não sei se a laranjada não foi montada pela loja para desviar atenção da clientela pelos altos preços. O pau quebrou literalmente e com certeza vai ser compartilhado nos grupos das redes sociais, todo mundo parou para gravar, separar a briga? Que nada, nem a segurança da loja aparece, ela sempre tão ágil a prender pobre famélico.
Chega o momento da seção de Carnes, aqui a dor é imensa, lembrou do compadre, dono de uma bereguedê, que oferta PFs, calma galera, é o velho Prato Feito, êta povo assustado com a Federal. Pois ele me disse que está trocando carne bovina por suína e suína por frango e frango por ovo. O velho Berrel do Cupim só quer vender asinha de frango, como pode um restaurante de cupim, não ter nem acém?
Assim termina o tour pelo supermercado e chega a hora de ir pro caixa, deu até saudade dos tempos de longas filas, agora nem 5 pessoas e tudo rápido e no caixa um valor que subiu novamente, assim caminha a humanidade.