
A necropolítica, um conceito criado pelo filósofo e cientista político camaronês Achille Mbembe, descreve a gestão da morte e da vida em contextos políticos, e se aplica de forma alarmante ao governo de Moçambique. Sob a liderança da Frelimo, o poder político do país tem priorizado a preservação de sua hegemonia, colocando as vidas da população como uma questão secundária, até terciária. Em vez de proteger a vida e garantir os direitos dos cidadãos, o governo moçambicano tem adotado práticas de repressão brutal, nas quais a gestão da morte tanto simbólica, quanto física se torna uma ferramenta estratégica para manter o controle. A utilização das forças policiais e militares para silenciar a dissidência, as prisões arbitrárias, e os desaparecimentos forçados de opositores políticos são apenas alguns exemplos de como a necropolítica tem se manifestado no país. Este modelo de governança não é apenas um reflexo de autoritarismo, mas também uma forma deliberada de controle, em que a vida e a liberdade dos cidadãos são sacrificadas em nome da perpetuação do poder.
A história recente de Moçambique revela um padrão de violência e repressão que não é casual, mas sim uma estratégia sistemática para garantir a continuidade do domínio da Frelimo. A política de morte que caracteriza o regime se reflete em diversas formas de abuso de poder, sendo uma das mais flagrantes o uso indiscriminado da força militar e policial para reprimir qualquer manifestação de oposição. Quando cidadãos ou grupos tentam protestar ou questionar a governança, eles frequentemente enfrentam repressão violenta.
Em muitos casos, manifestantes pacíficos são agredidos ou mortos, enquanto líderes da oposição enfrentam prisões sem justificativa legal e, em casos extremos, desaparecem sem deixar vestígios, alguns assassinados para calar o povo. Tais atos não são considerados exceções, mas sim parte de uma estratégia consciente e planejada para enfraquecer qualquer movimento que desafie o governo. A ideia de que “a Frelimo é o povo”, que foi proclamada durante os primeiros anos de independência, foi gradualmente substituída pela concepção de que a Frelimo é um poder absoluto, intocável e acima de qualquer crítica ou contestação.
A necropolítica praticada pelo governo de Moçambique não se limita à violência física. Ela também envolve a marginalização política, econômica e social de uma grande parte da população, especialmente daqueles que se opõem ao regime. O uso da morte simbólica – o silenciamento de vozes críticas e a destruição da credibilidade de quem ousa discordar – é um mecanismo que enfraquece ainda mais a capacidade de resistência da sociedade, o caso do político Afonso Dhlakama e do revolucionário, intelectual e rapper Mano Azagaia (foto) é clássico.
[Nota do editor: Afonso Dhlakama foi o líder da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), movimento que se opôs ao governo da FRELIMO durante a guerra civil do país, posteriormente transformando-se em partido político de oposição. Em setembro de 2015, Dhlakama sobreviveu a uma emboscada na província de Manica, na qual sua comitiva foi atacada, resultando em cinco feridos. Ele acusou a FRELIMO de estar por trás do atentado, alegando que altos oficiais das forças governamentais lideraram o ataque.Mano Azagaia foi um rapper moçambicano conhecido por suas letras críticas ao governo e à sociedade, abordando temas como corrupção e desigualdade. Após sua morte por causas naturais em março de 2023, manifestações em sua homenagem foram reprimidas pela polícia, deixando ao menos 19 feridos só em Maputo. Confira ao final da página uma de suas composições politicamente carregadas.]
A repressão de jornalistas, ativistas, e líderes da oposição não se dá apenas por meio de ações diretas, mas também através da manipulação das informações e do controle da narrativa pública. A imprensa independente, por exemplo, é constantemente ameaçada, e aqueles que se atrevem a denunciar abusos ou a questionar a governança enfrentam perseguições. O sistema judicial, que deveria ser um baluarte da justiça e da proteção dos direitos, muitas vezes se vê submisso ao poder político, tornando-se uma ferramenta para legitimar o autoritarismo e garantir a impunidade dos responsáveis por crimes de Estado.
A ideia de que a oposição política é um risco para a estabilidade do país tem sido disseminada pelo governo, transformando qualquer crítica ao regime em um ato subversivo e, portanto, punível. Isso cria um ambiente de medo e insegurança, onde a população, temendo represálias, muitas vezes prefere permanecer em silêncio, mesmo diante das graves injustiças que afligem o país. Outrossim, a criminalização da oposição e a repressão sistemática das manifestações pacíficas têm sido usadas para garantir que o poder da Frelimo se mantenha inquestionado. Além disso, essa política autoritária tem contribuído para a degradação das instituições democráticas, enfraquecendo os alicerces do Estado de direito e tornando quase impossível a existência de um espaço político plural.
Não só, a necropolítica em Moçambique também está ligada ao nepotismo e à corrupção sistêmica, que alimentam o ciclo de desigualdade e opressão. Ao invés de investir em políticas públicas que atendam às necessidades da população, o governo se dedica a manter uma rede de interesses privados que beneficia um pequeno grupo de elites políticas e econômicas. Enquanto isso, os serviços essenciais, como saúde, educação e infraestrutura, continuam em condições precárias, e a grande maioria da população vive em situações de extrema pobreza. Essa negligência em relação às necessidades básicas do povo moçambicano evidencia a desconexão entre o governo e a sociedade, reforçando a ideia de que a Frelimo está mais preocupada em manter o controle e enriquecer suas elites do que em promover o desenvolvimento e o bem-estar do país.
Concluindo, a necropolítica adotada pela Frelimo em Moçambique é um reflexo claro de um regime autoritário que, ao invés de servir à população, usa o poder para reprimir e silenciar qualquer oposição. A vida das pessoas se tornou uma mercadoria descartável, sacrificada em nome da manutenção do poder. A violência física, as prisões arbitrárias, os desaparecimentos forçados e a marginalização de vozes dissidentes são apenas alguns exemplos de como a Frelimo tem utilizado a morte – tanto real quanto simbólica – como uma estratégia de controle. Essa política autoritária tem levado o país a uma situação de estagnação política, social e econômica, onde os direitos humanos são sistematicamente violados e a população é deixada à margem do progresso. Para que Moçambique possa avançar em direção a um futuro mais justo e democrático, é fundamental que se rompam as estruturas de poder que perpetuam a necropolítica, e que o país retome o compromisso com os direitos humanos, a justiça social e o verdadeiro desenvolvimento. A transformação de Moçambique depende, portanto, de uma mudança radical no modo de governar e de uma nova ala partidária, com o fortalecimento das instituições democráticas e a proteção da vida e da dignidade de todos os cidadãos.
Foto: Mano Azagaia