
por Daniel Rego
Palavras importam. Mais do que nunca. É com elas que expressamos nossa visão de mundo, nossos conceitos (e preconceitos) sobre as coisas, com elas comunicamos ideias explícitas e implícitas. Pessoas a todo momento fazem uso de escolhas mais ou menos conscientes de palavras; seja um meio de comunicação a chamar alguém de “presidente” ou de “ditador”, seja ao classificar um conhecido como “amigo” ou “colega” numa conversa informal. Chamar um determinado ato de terrorismo justifica respostas que não poderiam ser dadas a um ato dito popular. Palavras constroem o mundo, ou, no mínimo, nossas percepções sobre ele.
Em migração não é diferente. O debate, aliás, está permeado de falsas noções e de conceitos carregados. O mais comum deles é o de “imigrante ilegal”. Ilegal, sinônimo de ilícito, é aquilo que transgride a lei e, por isso, merece sanção da autoridade. É ilegal roubar, matar, sonegar imposto. E a sanção virá na forma de prisão ou multa. Porém o binômio legal-ilegal traz outras implicações além da sanção Estatal. O que pratica ato ilegal é criminoso, bandido, corrupto. Cometeu algum ato reprovável que deve ser rechaçado por toda a sociedade que vive no lado legal, ou de bem. São muitos significados…
Frequentemente, Estados classificam como “imigrantes ilegais” aqueles que cruzam suas fronteiras sem todas as autorizações, protocolos, ou que permanecem além do que foram permitidos. No contexto de políticas migratórias cada vez mais fechadas, guiadas por imperativos de segurança nacional e com a mínima preocupação com o acolhimento das pessoas migrantes, classificar alguém de “ilegal” cumpre uma função política de desumanização, de aceitação de que a pessoa que cruza a fronteiras arbitrariamente estabelecidas está cometendo um crime, é um risco, como o é um homicida, um ladrão ou um estuprador. O ilegal virá, como na descrição bíblica do diabo, virá para matar, roubar e destruir.
É mais fácil prender sumariamente deportar um ilegal que um indocumentado. É mais fácil culpar ilegais por problemas sociais do que famílias que migram a procura de uma vida digna. Desde os anos 1970, a Organização das Nações Unidas (ONU) sugere o uso do termo migrante indocumentado, que destaca a real condição dessa pessoa: alguém que comete a infração administrativa (não penal) de não estar com a documentação exigida em dia. Não existem seres humanos ilegais, existem pessoas que cruzam fronteiras. Migrar é uma condição humana, e não um crime.
Mudar apenas os termos não mudam os problemas. Mas são o primeiro passo para colocá-los em perspectiva e entendermos de fato do que estamos falando. Homens, mulheres, crianças, famílias que cruzam fronteiras. Pessoas não são ilegais.
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