“Tá bem, graças a Deus! Esses dias tá guardadinho. Tive lá mês passado, me falou que parou de atender esses tempos rsrs.”, me respondeu, prestamente, o poeta Kitute Coelho lá da cidade de Irará, tranquilizando este rascunhador que em 2013 conheceu o famoso médico iraraense Deraldo Portela (foto) em circunstâncias que alinhavo abaixo por regozijo pela saúde e existência dele.
Quem conhece Irará sabe onde fica o oratório, aquele marco vertical, plantado no centro do grande largo defronte ao mercado aonde acontecem as ricas feiras da cidade. Oratório de Nossa Senhora da Purificação é o marco zero, o local onde se iniciou a civilização iraraense.
Pois bem, em Irará eu dormi numa pousada num beco lateral ao mercado. De madrugada, nevoando, saí para ver o começo da feira, foi quando vi as inscrições nos azulejos aos pés daquele monumento indicando os artistas que o haviam criado: Lênio Braga e Udo Knoff, os mesmos dos azulejos do belíssimo painel que valoriza a Estação Rodoviária de Feira de Santana. E nas inscrições, o nome do prefeito naquele longínquo 1966: Deraldo Portela.
Eu posso dizer que até então eu era meio bolsonarista em termos de conhecimento sobre Irará. Não sabia nada além do convencional é a terra de Tom Zé.
Toinho, líder do grupo de samba de roda “Brilhantes de Irará” que sai na micareta de Feira no bloco Tracajá, é também o dono na pousada. Na hora do café indaguei se ainda existiam familiares do ex-prefeito. Oxi,oxi, homi, doutor Deraldo é vivo, vumbora lá, você quer ir lá? Toinho é desenrolado, bom parceiro, mas desconversei.
Peguei com ele as informações que pude, com populares no mercado, e fui à casa de Doutor Deraldo Portela.
Quando cheguei lá eu já sabia sobre a fama de médico humanista, do católico mais fervoroso do que mero prefeito construtor de oratório, de sua lúdica ligação com os artistas da cidade, patrono da casa do samba, nome de lugar – a ‘Serra de Doutor Deraldo’, a sua discrição, o desprendimento material, a solene moradia numa casa arejada e ampla herdada de seus ancestrais e preservada como de origem, onde fui encontrá-lo.
Numa amável conversa na sala repleta de móveis e fotos antigas fui provocando e ouvindo recortes de sua vida de estudante de medicina em Salvador, a devoção religiosa, o deslumbramento com a ordem dos beneditinos e como tornou-se dela um oblato, o que explica parte da ética que ele espelha na comunidade, a sua íntima relação com a terra, Irará, além da lenda da água na serra que leva seu nome.
Mas eu queria saber também sobre a política. Como um homem com aquele perfil havia sido Prefeito de uma cidade, marcada pelo fogo das contendas, às vezes com desfechos fatais, como quase todas do interior nordestino.
E ele me explicou, paciente, como chegou a prefeito, como candidato único, numa época em que Irará perdeu parte do seu território com as emancipações de lugares que se tornaram cidades no entorno. Escolhido para pacificar, para dar um norte à política local turbilhonada pelas transformações da época. Deraldo foi o consenso para, senão restaurar, mas manter de pé a auto estima de Irará dividida.
Desde aquela visita acompanho, menos do que devo, a vida de Doutro Deraldo em Irará.
No dia 26 deste mês de maio, uma terça-feira, ele faz 93 anos.
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