A maioria dos frequentadores e frequentadoras da casa de dona Cleia não saberia nunca quem foi a célebre francesa Brigitte Bardot se o sequestro não tivesse acontecido naquela manhã chuvosa de domingo, quando as putas do Beco da Energia ainda não haviam acordado estafadas da fudelança que começara na sexta-feira.
Logo cedo a cafetina notou a ausência dela mas só se deu conta da gravidade do sumiço por volta de 10 horas, quando habitualmente Brigitte lhe pedia, com olhar enviesado de carinho, o desjejum temperado com guloseimas que ela preparava todos os dias. Primeiro deu uma volta pelo beco, procurou pelas barracas vazias da Marechal e retornou pelo Beco do Mocó. Nada, nem sinal.
Foi então que resolveu pedir ajuda e perguntar às outras sonolentas vizinhas, todas madames como ela, se haviam visto Brigitte e como nenhuma delas deu notícia, apelou para o “anjo’ do beco, o artista Márcio Punk, no seu atelier no primeiro andar daquele edifício da Marechal:
– Punk, Brigitte nunca me deixaria. Ela foi sequestrada…
– E a senhora tem alguma ideia de quem fez isso….?
A pergunta de Punk acendeu uma luzinha vermelha piscando na memória de Cleia. Ela nunca fora uma mulher exuberante mas havia tido seus amores e despertado paixões violentas em muitos homens, até que um dia, resolveu não mais querê-los, cansada de tanta violência e decepções. Há muito havia escolhido amores mais tenros e em que ela, de certa forma, fosse a dona da relação. Isso provocara alguns constrangimentos e despeitos, alguns com consequências até hoje marcadas, como aquela cicatriz no braço esquerdo que uma garrafa ciumenta lhe rasgara. Mas não imaginaria uma vingança, a essa altura da vida, já uma mulher de idade, isolada no Beco há tantos anos, sem contato com seu passado em Salvador, Cachoeira e outras paragens. O Beco era seu refúgio, sua sobrevivência, e sua alegria era Brigitte. Mas sabia, ensinada pela vida, que tudo pode acontecer porque o ódio, o rancor, a inveja, são sentimentos sentimentos que têm sete vidas como a dos gatos.
– Eu tenho uma desconfiança – confessou a cafetina, cuidadosa com as palavras e intenções.
Dito isto, e mais alguns detalhes, foi então que Punk tomou a atitude de desvendar o caso e meter-se na aventura de resgatar Brigitte das mãos dos sequestradores, sim, sequestradores, não havia mais dúvidas pelo relato de Cleia. E imediatamente convocou o outro ‘anjo’ da tropa do Beco, Marcelo, para juntos começarem a caçada que contarei em próximas postagens aqui no Blog da Feira. Não perca.
Ilustração, exclusiva para esse texto: de Jean Lima/Instagram
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