Muitos jovens, adolescentes, estão abortando os sonhos, ou pelo menos a vontade de sonhar. A sociedade capitalista que estamos inseridos induz a paralisia dos sonhos de jovens da classe trabalhadora.
Certa vez, pedi aos alunos de uma classe da matéria cidadania, do ensino fundamental de uma escola da rede pública de ensino uma redação sobre o tema “Que cidadão pretendo ser? ”
E muitos começavam a escrever com a certeza do fracasso. “Eu queria ser médico, advogado, juiz…, mas como sei que não vou ser”.
Lembro do choque que levei com a desistência de sonhar de alguns alunos. Como pode jovens adolescentes do ensino fundamental abortar sonhos? Sonhos lindos! Sonhos profissionais.
A nossa sociedade não está dando condições de pelo menos sonhar?
Que sociedade é esta? Que democracia estamos construindo? Se não estamos permitindo que a juventude continue a sonhar e alcançar seus sonhos? Se eles não conseguem ao menos planejar? Como ser e viver sem perspectiva?
A letalidade dos sonhos evidencia o não lugar, reservado aos mais pobres, a falta de igualdade nas oportunidades e a falácia da meritocracia brasileira.
O genocídio do povo pobre e negro triunfa desde a letalidade da fecundação dos sonhos e prevalece o sistema de extermínio. Pois, sonhar permite ao indivíduo coragem para desbravar e cultivar a vida.
Voltando à redação que foi escrita pelos alunos, muitos continuavam a escrever assim: “ mas, como sei que não vou ser médico, juiz, advogado… Quero ser policial militar. ” Fui conduzida a refletir, por qual motivo muitos alunos só enxergavam a profissão de policial militar como a única possível para eles? E por qual motivo as outras profissões desejadas por eles eram abortadas do planejamento da vida? Mesmo na redação, eles não se permitiam seguir sonhando.
Quando o Estado não oferece condições de vida digna para a população como saúde, lazer, educação, alimentação, moradia, cultura e oportunidades de trabalho e só se faz presente para oprimir, o educador Paulo Freire nos alertou “Quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido e se tornar o opressor. ” O filósofo Frantz Fanon, chamou isto de alienação.
É necessário dizer que esses jovens brilhantes e talentosos são filhos da classe trabalhadora. Pessoas negras em maioria. Filhos das pessoas que carregam este país nas costas, ocupam a base da pirâmide social. E que nós, todos nós, somos responsáveis por este dano coletivo, que é, ainda é resquício da escravidão, da colonização. Os nossos jovens negros, muitas vezes não conseguem se enxergar como médico, porque eles não são atendidos por um grande número de médicos negros ao longo da vida. Eles não conseguem se enxergar na magistratura porque este espaço ainda é ocupado em grande escala por pessoas brancas de classe privilegiada. E isto é herança do período da escravidão.
O Brasil, com o seu projeto higienista, racista, encarcerador e de extermínio da população negra e pobre precisa urgentemente reparar a população, socialmente e economicamente para que o abismo da desigualdade comece a ser fechado nas estruturas da sociedade e na vida das pessoas. Enquanto não houver reparação social e econômica não haverá justiça e não haverá paz.
Não podemos romantizar a miséria e a desigualdade, pois tudo isso é reflexo da política e do projeto do país.
“A avó da avó lançou dois de seus netos na água e se certificou de que eles haviam se afogado antes de se jogar também. Para mim, a cena ecoou as descrições históricas das mães escravas… que mataram suas crianças a fim de poupá-las da violência da escravidão. ” (Angela Davis – A liberdade é uma luta constante). Este trecho do romance “Amada” que aparece na obra da filósofa Angela Davis, nos lembra que o genocídio da população negra é materializado em perspectivas emocionais, psicológicas, sociais, educacionais, políticas e econômicas.
a fotoilustração é de Luiz Tito