O olhar me surpreendeu numa calçada do Sobradinho. Foi semana passada.
Difícil descrever todas as sensações que aqueles olhos transmitiam na manhã ensolarada de outono. A princípio, parecia destilar uma raiva contida, que flertava com o ódio, cintilando, com chispas. Depois, insinuou-se como um ressentimento mudo, quase palpável de tão profundo. Por fim, aquilo se assemelhou à inveja e a um desejo vago, distante, improvável de se concretizar. Arrematando, havia a dor.
Tudo durou um segundo ou dois. A sucessão de medos, de desejos, de receios, porém, alargou aquele instante por uma eternidade. Parecia que nunca ia terminar.
Uma singela sacola com umas poucas compras – embalagem vulgar, plástica, dessas distribuídas em mercadinhos ou micromercados – provocou todo aquele turbilhão de sensações e de impressões. Ela só olhava a sacola: em nenhum momento levantou o olhar para quem a transportava.
Quem olhava? Era uma mulher malcuidada, sentada na calçada. Trajava vestido verde claro – roto e encardido – e carregava uns embrulhos, mas só recordo da garrafa pet de dois litros com água. Havia um homem também, maltrapilho, mas nada lembro dele.
Um pragmático enxerga naquilo uma cena banal: o sujeito que retorna do mercado no fim da manhã com suas provisões; e a mulher ali na calçada, à sombra, à espera sabe Deus do quê e que lança um mudo olhar de desejo sobre a sacola. Só que não era qualquer olhar – duro, contundente, eloquente – e há também o triste contexto pandêmico, com a miséria que vai recrudescendo, implacável.
Não parecia mendiga e, talvez, nem enfrente a cruel situação de rua. Pelo menos por enquanto. Mas estava ali, desvalida, desassistida, retratando bem o Brasil acossado pela incompetência e pela barbárie. Ela sequer me olhou. E, sem reação, segui adiante, impactado por aquele olhar para a sacola e que nem por um momento repousou em mim.
Os mais atentos notam que uma miséria crua, dolorosa, indisfarçável, vem tomando as ruas da Feira de Santana desde o começo do ano. Coincidiu com o fim do auxílio emergencial, o que lançou muita gente na pobreza extrema. Desde então – imagino – esses olhares se multiplicaram.
Mencionei que o olhar durou um segundo ou dois. E nem foi direcionado para mim. Mas até agora dói.
E assusta.
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