
E não é que o tal do voto impresso está de volta? O golpismo já explícito do Capitão trouxe de volta um debate que havia começado em 2013, com as tais “Jornadas de Junho” (evento, aliás, quase esquecido frente à atual superaceleração do tempo político, mas cujo significado ainda não está totalmente esclarecido. Os historiadores ainda terão muito trabalho nesse front!). Veio no bojo de uma dita minirreforma política, aprovada em 2015, vetada pelo Planalto (ainda ocupado pela Presidenta Dilma) e confirmada pelo Congresso, que derrubou o veto.
Deveria valer para as eleições de 2018, não fosse uma decisão do STF que suspendeu sua vigência dizendo ferir o sigilo do voto. Bom, agora querem transformar em EC (emenda constitucional) para escapar desse controle de constitucionalidade. A realidade é que, a despeito da reação exacerbada das cortes superiores (que de fato teriam um trabalhão para substituir as atuais milhares de urnas em uso), não havia na época razões convincentes para rejeitar a proposta.
Claro, surgiu do protogolpismo de um candidato descontente com o resultado em 2014 mas que, no entanto, acabou aceitando a derrota e partido para o ataque em vias (mais ou menos, aí teremos outra longa discussão) democráticas. Não era absurda, e o próprio TSE chegou a produzir protótipos, como aquele que ilustra esta coluna.
Em uma coisa estão certos os defensores do tal voto “auditável”: é sim uma possibilidade – destaque-se, muitíssimo remota – manipular o software que registra os votos. Aliás, existem auditorias: urnas são selecionadas aleatoriamente no dia da eleição para uma votação paralela, onde fiscais de partidos inserem e anotam votos para conferir se sairão corretamente no boletim de urna. Sempre bateu.
No início de cada sessão, os mesários extraem a zerézima para ver se algum candidato já veio com voto. Nunca veio nenhum. Depois do encerramento da sessão, imprimem várias vias de boletins de urna (que devem bater com o número de eleitores que foram votar, o que sempre acontece) para que qualquer cidadão averigue. Inclusive, em 2018, tive a sorte de levar alguns deles (eles dão pra qualquer pessoa que solicite enquanto houve papel disponível na máquina) para casa, infelizmente perdi na mudança. Participei da chamada totalização paralela, que contou com voluntários espalhados pelo país para escanear o maior número possíveis de boletins de urna e checar com os dados oficiais. Adivinhem? 100% de coerência.
Então não, não bastariam meia dúzia de técnicos ou ministros do TSE. Para que ocorresse qualquer fraude em larga escala, ela precisaria da conivência dos fiscais de partido que verificam a instalação do software da urna; dos membros da sociedade civil que participam da votação paralela; dos mesários que extraem a zerézima; dos institutos de pesquisa, que na maioria das vezes trazem resultados próximos aos do pleito; dos voluntários (como eu) que escaneiam os boletins de urna e de muitos outros que participam desse processo.
Estão também parcialmente errados muitos que atacam a proposta. Em primeiro lugar, não haveria recibo algum: o voto fica numa urna lacrada. Estão agora dizendo que a impressão seria irrelevante, já que a manipulação poderia ser feita igualmente pelo software, mas há um mecanismo de confirmação do eleitor através de um vidro antes que o voto seja depositado na urna. Seria muito suscetível a problema? Com certeza. Qualquer um que já usou uma impressora por tempo prologado sabe como elas, que tem muitas partes móveis, costumam dar muito problema.
Ia atrasar a apuração? Não creio, até porque o resultado eletrônico poderia ser válido até provado em contrário. Ia causar instabilidade a cada pleito? Possivelmente, com os perdedores inconformados solicitando apurações sem fim, entrando com milhares de recursos. Creio, no entanto, que a instituição desse tal “voto auditável” em, digamos, 5% das urnas, distribuídas aleatoriamente pelo país faria pouco mal.
Findo esse textão deslocado do Facebook – ou tuíte expandido, mas bem mais legível que aqueles fios infinitos – com a constatação que deveria ser evidente: é uma proposta que tem mérito, mas que está sendo instrumentalizada pelo golpismo vil. É uma questão séria sendo usada como pretexto para corroer a estrutura democrática. Entretanto, a oposição não pode usar de meias-verdades sob o perigo de ser desacreditada. Podemos, sim, discutir de maneira saudável uma redundância no sistema eleitoral: é algo desejável e certamente traria mais segurança e confiabilidade a um sistema – ressalto – já bastante confiável. No entanto, chega a ser um escárnio que essa pauta domine a política nacional, em meio a uma pandemia e a um programa de vacinação menos eficiente do que deveria, unicamente pela intransigência de um único homem que, aliás, já se mostrou bem pouco afeito aos processos democráticos.
Não podemos aceitar quaisquer ameaças contra eleições realizadas dentro dos parâmetros legais (e consensuais) vigentes, principalmente por parte daqueles que toparam por diversas vezes comungar dessas regras. Uma dica para o Mito e sua turma: façam como a oposição venezuelana e boicotem as eleições. Não aceitem participar desse sistema corrompido! Mostrem sua verdadeira bravura e fiquem retirem seu nome das cédulas!
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Eu só tenho uma dúvida: qual é o problema que a impressão do voto impresso deveria resolver?
Realmente, como você bem colocou, não existe nenhum problema iminente a ser resolvido. É uma discussão para aumentar a confiabilidade do sistema, que não deveria ser pautada pelos tempos políticos e pela sana golpista de um presidente…
(Temos que agradecer eternamente a Vargas por nosso sistema eleitoral não depender do executivo!)