“Jesus voltará”. Sempre me deparo com a frase enfática pintada nalgum muro da maltratada periferia da Feira de Santana. Há variações: às vezes, vê-se apenas “Jesus” ou “Deus”; alguns arriscam a clássica “Deus é fiel”, “Jesus te ama” e por aí vai. “Jesus voltará”, porém, é a mais prenhe de significados. Há registros de que essa profecia surgiu quando Jesus Cristo ainda estava por aqui, há cerca de dois mil anos. Desde então, o tempo todo a promessa se renova e, até agora, – como todo mundo sabe -, não se cumpriu.
A proximidade do Natal – quando justamente se celebra o nascimento de Jesus Cristo – favorece a renovação dessas promessas. Fico imaginando como será este retorno. Seria uma reencarnação convencional, como a primeira? Ou haveria aí a apoteose do Apocalipse, em meio àquele cenário bíblico? Não existem respostas convincentes e, portanto, cada um faz uma interpretação toda própria, subjetiva.
Em meio a estes devaneios, imagino Jesus Cristo reencarnando no Brasil atual. Poucos lugares seriam mais hostis. Sobretudo se ele mantivesse aqueles discursos dos Evangelhos, aquelas pregações de amor, paz, fé e fraternidade. Nada mais subversivo, hoje, que um pacifista, um defensor dos direitos humanos. Não dizem que um fuzil é preferível a um prato de feijão? Que tratamento dispensariam ao Filho do Homem nesta sociedade?
O desprendimento material de Jesus Cristo também não faria sucesso. Sem mansões, jatinhos, rebanhos em latifúndios, milhões em contas bancárias, provavelmente seria desprezado, acabaria falando sozinho, coitado. No máximo, atrairia meia-dúzia de deserdados e espiritualistas excêntricos. Como todos sabem a fé cristã hoje exige prosperidade material e o jovem palestino – que viajava montado e não acumulava propriedades – passaria, ele próprio, por excêntrico. Talvez pior: fracassado.
Caso reencarnasse como o Jesus Cristo das gravuras tradicionais – branco, cabelos lisos, olhos claros – não experimentaria o racismo e, por suas ideias exóticas de fraternidade, talvez fosse visto como um jovem de classe média desajustado, quiçá um militante do PSOL. O Jesus Cristo palestino, pardo, com aquele ar altivo de uma gravura recente – suas prováveis feições originais –, porém, enfrentaria dissabores.
No Brasil dos homens de bens, um sujeito pardo escuro, errante, com carbonários discursos de amor ao próximo, seria visto como perigoso e – suprema infâmia – anticristão. Haveria sufocantes clamores para as autoridades policiais reprimirem-no, silenciá-lo. Não, o Brasil não é o lugar mais apropriado para o retorno do Filho de Deus. É bom nem ficar pensando nisso. E isso não é de hoje: João Guimarães Rosa, em “Grande Sertão: Veredas”, clássico da literatura brasileira, já havia advertido, nos anos 1960, referindo-se ao sertão mineiro:
– Deus mesmo, quando vier, que venha armado!
Se o Pai já tem que vir armado, calculem o Filho…
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