Os empresários do setor de ônibus no Brasil sempre que veem sua taxa de lucro diminuir, buscam um bode expiatório. Assim, as estradas já foram responsáveis até a década de 90. Daí surgiram as vans Topic em 1994 e o setor virou de ponta cabeça, pois movida a diesel, elas conseguiam ter autonomia, que as velhas kombis e os ultrapassados “paus de arara” não conseguiam oferecer riscos a concorrência. Daí veio a explosão do credito para compra de automóveis, e as ruas foram tomadas por clandestinos, piratas e informais, ou o nome que se queira dar. A eficiência do setor foi questionada e a velha mania de jogar a conta para o usuário foi acelerada, sendo que os concorrentes agradeciam o aumento de sua própria taxa de lucro.
O cenário acima descrito fez acontecer uma perda de usuários nos 2.901 municípios brasileiros que oferecem o serviço de transporte público legalizado. Essa conjuntura de perda de usuários e transferência de ineficiência para o publico pagante, em sua maioria trabalhadores de baixa renda, afinal de contas, a classe média não usa ônibus para seus deslocamentos, teve como consequência, aumentos sucessivos da tarifa cobrada, sempre acima das reposições salariais da classe trabalhadora.
Segundo a NTU, Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos, as perdas do setor acumulam em R$ 21,37 bilhões desde março de 2020, causadas pela queda do número de usuários e da redução da oferta para garantir o distanciamento social no combate a pandemia. Esse movimento fez sucumbir 52 empresas em todo país, quer seja por suspensão dos serviços, quer seja por intervenção ou recuperação judicial.
Como a maioria dos municípios não aplicou reajuste em 2020, existe um espectro rondando a classe trabalhadora, que seja um aumento médio de 50% nos preços das tarifas em todo país. Os três principais componentes do preço são salários, diesel e pneus. Os salários que respondem em média por 48% do custo operacional estão pressionados por inflação de dois dígitos e, com certeza vem pela frente pressão por reajustes salariais, greves devem fazer parte do cenário urbano, mas talvez isso seja apenas choro de empresário que deseja ter tarifa para manter sua taxa de lucro, pois o setor demitiu 87.497 postos de trabalho entre março de 2020 até setembro de 2021, conforme Associação Nacional de Transportes Públicos – ANTP. Segundo o DIEESE foram registrados 333 greves, protestos e ou manifestações em 98 sistemas. Quanto ao diesel ele sofreu somente este ano um aumento de 65% no seu preço conforme dados da ANP, e olha que este insumo representa 27% do custo total. Os pneus foram menos exigidos, mas acompanharam o IPCA.
Com certeza jogar o repasse destes custos para a tarifa, vai jogar o setor numa crise ainda maior e com isso, algumas cidades começam a buscar culpados e em Guarulhos e São Paulo vem um vento frio chamado gratuidade de idosos. De repente as empresas em vez de buscarem melhorias em sua oferta com melhor gestão na redução dos custos, reclamam de algo que vinha ocorrendo há muito, a falta de cobertura ao benefício. Querem extinguir essa gratuidade, enquanto o governo federal não assume o ônus. E aqui aparece a chantagem, ou o governo assume, ou as empresas quebram ou jogam no colo de quem ficar no sistema, a conta a ser paga. Sim, pois quem paga tudo é o usuário e como ele vem ficando cansado, foge de ficar nos pontos de ônibus, ou anda a pé, por não ter grana, ou vai de clandestino, aplicativo, motocicleta, carro próprio, o que seja. Não dá pra ficar parado.
O impacto na vida de um idoso, ao pagar tarifa em ônibus vai gerar um efeito nocivo a sua renda disponível, já combalida pelo aumento dos alimentos e pior, dos medicamentos, todos com preços reajustados acima da inflação. Mas a falta de debate dos gestores públicos sobre os custos operacionais de um sistema de transporte, fazem com que os preços sejam superestimados sempre que confrontados com a realidade. Que ninguem espere transparência das prefeituras e muito menos das empresas. Continuam com descaso sempre que chamados a participarem de audiências públicas. Um simples clique na internet e vai se constatar que é praxe a ausência de gestores públicos e privados nos espaços que teriam oportunidade de mostrar seus gastos diários, o que leva a crer que tudo se resume em transferir o ônus aos usuários e os bônus são capitalizados e rateados. Em Feira de Santana, se pagou por uma auditoria que não se tem conhecimento do resultado da mesma. Onde aconteceram resultados de auditoria, como em Belo Horizonte, se mostrou a ineficiência empresarial e omissão da prefeitura na regulação do setor. Não se tem transparência na aplicação de multas e se as mesmas estão sendo pagas. As outorgas de novas concessões não estão sendo pagas e a população sofre com oferta cada vez mais reduzida. Tudo leva a crer que as contas apresentadas pela NTU são manipuladas para inflar o prejuízo, pois no período da pandemia, a redução da oferta levou certamente a uma redução de salários, diesel e pneus. Mas ninguem, em nenhum município reduziu a tarifa. Agora querem reajuste em cima do que não fizeram, pois veja o exemplo de Feira de Santana, o contrato de concessão prevê o percurso de 1.629.194,77 kilometros por mês sendo operado por uma frota de 248 ônibus. Notícias chegam pela mídia que apenas 80 ônibus operaram na pandemia em dias úteis, ou seja, consumiram menos mão de obra, diesel e pneus. Quem se beneficiou dessa redução dos custos? As concessionarias do serviço que continuaram cobrando a tarifa cheia, transferindo a ineficiência para os usuários, quanto ao custo dos idosos, como fica então? O discurso fácil do setor empresarial é desmontado, pois no contrato de concessão exige que a quilometragem seja cumprida, conforme visto acima e o ônibus está ali a disposição, tendo idoso ou não para embarcar. Nunca é demais lembrar que o índice de passageiros por quilômetro, o famigerado IPK constante do contrato é de 1,4932, muito pequeno, basta imagnar que uma linha de 10 quilômetros, apenas 14 passagem enfim não se justifica a composição de cobrança da gratuidade do idoso, pois ela já se encontra amparada pelo contrato de concessão que em Feira de Santana não chega a 10% do total de embarques.
Portanto, antes de se falar em transferir custos a população mais pobre, se precisa discutir o sistema como um todo, com transparência e participação da sociedade civil.