Foram quase duas décadas trabalhando na coordenação do Polo Regional da Agerba. Eu tinha contato diário com a operação da Empresa Santana. As pessoas que sabem disto, vem sempre me perguntar o que eu achava da venda para a Empresa Cidade Sol? e se surpreendem quando digo que não me causou estranheza a operação de transferência do serviço. O leitor atento vai observar na frase dita quando da oficialização da venda, dita pelo antigo dono da Santana o motivo, quando alegou que estaria vendendo por conta da concorrência e do transporte clandestino. Tudo bem, são razões exequíveis, mas vem a pergunta, estas mesmas dificuldades não cairiam também para quem estava adquirindo a empresa? Será que a concorrência e a clandestinidade seriam apenas para uma empresa?
Primeiro que concorrência ele se referiu? Pois ele colocou em seguida a palavra clandestino, então há de separar as duas expressões. Concorrência viria, certamente, das próprias empresas do sistema de transporte intermunicipal que tem a contumácia de pegar passageiros para a linha Salvador/Feira e vice versa, quando por contrato apenas a Santana tem este direito. Aqui vem a primeira queixa, até o ano de 2017 quando me aposentei, inexistia processo da Santana pedindo providencias contra uma especifica empresa por pegar seus clientes, ou seja, nunca oficialmente se cobrou com eficácia, e sobra então a clandestinidade. Este tipo de transporte surge na falha de Oferta do serviço, e aqui cabem algumas ponderações. Não é fácil para quem precisa utilizar ônibus diariamente pagar tarifa de embarque na rodoviária mensalmente, sendo que o ônibus passa pela praça Jackson do Amaury, em frente a Rodoviária e fica mais barato pegar o ônibus fora da rodoviária, ainda mais que existe a chance de embarcar numa aventura de transporte não legalizado se o ônibus demorar, aventura pois os riscos de uma viagem clandestina começam no início, pois o passageiro não tem nenhum tipo de seguro em caso de acidente.
Antigamente os motoristas e cobradores ganhavam comissão sobre vendas no talão de passagens ofertadas e embarcadas fora do Terminal. Isso fez com que os próprios prepostos, incentivassem os passageiros a embarcar do lado de fora. Isso alimentou a clandestinidade e assim o sistema pirou e piorou. Por outro lado, a necessidade de comprar mais ônibus, fez com que a empresa não quisesse investir para anular a concorrência do clandestino. Este agia como um elemento complementar a falta de investimento das empresas, como prova cabal se pode apontar o serviço da linha executiva, sempre com carga de usuários acima de 70%, o que mostra que serviço de qualidade consegue combater a concorrência.
Por outro lado, a falta de capacidade de empreender fez com que a empresa perdesse o mercado do traslado para o aeroporto de Salvador, afinal de contas diariamente pessoas saem de Feira para embarcar em aviões e nunca a empresa quis explorar este serviço, isso fez perder passageiros, deixando para algumas pequenas empresas fazerem o atendimento da demanda insatisfeita. A venda de passagens no cartão somente a pouco tempo foi viabilizada, mas a venda antecipada continua física nos guichês. Ora, em tempos de delivery, quase ninguém tem vontade de ir na rodoviária comprar passagens para viajar no dia seguinte, isso fez com que muita gente se distanciasse dos guichês, principalmente a população mais jovem que faz um pix e tudo se resolve.
Os curiosos de plantão precisam olhar a floresta e não apenas as arvores, explico, olhar a empresa como um todo e não apenas a linha Feira Salvador, pois essa tem alta viabilidade econômica, mas demanda elevação nos custos operacionais e, principalmente controle da receita, pois a decisão arcaica de ainda receber apenas dinheiro em espécie faz com que o risco de assaltos aconteça. Custava colocar uma maquineta na mão do cobrador? Então, a empresa nunca acreditou em inovações, tanto ela como o sistema como um todo. Incrível que na época do PIX, cartões de credito e debito por aproximação, se movimente dinheiro em espécie contribuindo para o número de assaltos a ônibus e consequente insegurança do sistema, muitas pessoas deixam de usar a linha convencional, pois são no mínimo cinco paradas vindo de Salvador para Feira.
O mercado esperava que a empresa Santana mantivesse a linha para a capital e vendesse apenas as demais linhas, mas o que se viu foi uma venda total, e não me venham dizer que a linha Cachoeira/Santo Amaro/Salvador é deficitária, pois não é. Salvador/Quijingue tem um bom aproveitamento, ou seja, embarca muita gente no itinerário. Talvez uma revisão nas operações fosse capaz de dar conta da continuidade da empresa, mas não quiseram arriscar, e a vontade dos mesmos tem de ser respeitada, mas por favor dizer que foi a concorrência e a clandestinidade não cola, afinal, já virou lugar comum, culpar o transporte clandestino pelo caos do Transporte Público, e aí eu lembro dos versos de Brecht: “do rio que tudo arrasta se diz que é violento. Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem”.
O mercado de transporte intermunicipal ainda, em sua maioria, não entendeu a mudança na oferta e isso tem levado empresas tradicionais desaparecerem ou mudarem de dono, a exemplo da Catuense, Camurujipe, São Luiz, RD, entre outras. Até o início dos anos 90 o substituto do serviço era o caminhão pau de arara e a kombi, ambos desconfortáveis. O primeiro tinha autonomia para viajar, mas um desconforto imenso, daí que os ônibus eram mais atraentes e a kombi dava pra suportar em viagens até 30 minutos o conforto e em que pese o passageiro suportar até uma hora sem acusar dores musculares, o veículo movido a gasolina começou a padecer do aumento do preço do combustível, pois ele não tinha autonomia.
A chegada das primeiras vans deram um novo formato e a época da escravidão do usuário chegou ao fim. As pessoas não mais queriam viajar em pé, tinham alternativas, assim o mercado foi definhando, perdendo demanda. As empresas não enxergavam isso e cobravam da AGERBA combate ao transporte clandestino, mas estas operações apenas enxugam o chão, não fecham a torneira.
Então nos anos 90 vieram as facilidades de crédito para aquisição de automóveis e as pessoas praticamente deixaram de usar ônibus para ir ao lazer, bastam três pessoas dividirem o combustível e sai mais barato que três passagens de ida e volta. Assim também algumas pessoas foram formando grupos de carro para o trabalho, educação e saúde, pronto acontecia mais demanda perdida e o sistema nunca respondeu com ações que tentassem evitar o caos, ficando na velha retórica de apenas acusar o transporte clandestino. Alguém já viu alguma campanha promocional de ônibus para melhorar os embarques? E olha que a Bahia tem o mais pontual serviço de Ônibus Intermunicipal, todos praticamente saem no horário definido. Existe uma cobertura excelente do território baiano e não exploram em marketing, essas vantagens.
Esses e outros fatores cumulados com outras linhas deficitárias fizeram com que os donos cansassem de tocar a empresa tão bem gerida pelo Pedro Barros, este sim um visionário: ele gostava de ônibus e de tratar bem seus empregados.
Concordo plenamente com Rosevaldo, meu colega de Estatística do Odorico Tavares.