Como se sabe, os dias que avançam neste Brasil enfermiço são pouco favoráveis ao lirismo, às contemplações poéticas. Mas o fato é que, da janela, testemunhei uma cena inusitada nestes tempos ferozes: o pai e o casal de filhos avançavam pela rua, sob as sombras das árvores – era noite – quando, subitamente, pararam diante do canteiro de hibiscos. O que se seguiu, então, foi fantástico, extraordinário: colheram algumas flores.
A menina – deve ter uns seis anos – gesticulava e emitia umas frases inaudíveis enquanto atravessava a rua, deserta àquela hora. O pai redarguiu, com umas frases que também não consegui decifrar à distância. Por fim, aproximou-se do canteiro, inspecionou as flores, escolheu aquela que parecia mais mimosa e a colheu, entregando à filha.
Depois, examinou o filho – o menino deve ter uns três anos, se muito – e resolveu presenteá-lo também: removeu outra flor e a estendeu para o garoto. Talvez mais para evitar aquelas inevitáveis confusões entre irmãos, sempre ruidosas. Não importa: o fato é que ainda existem pais com sensibilidade aguçada, capazes de interromper uma caminhada para colher flores para os filhos. Sobretudo por serem hibiscos, não flores caras, valorizadas.
Quando se preparavam para retomar a caminhada o garoto resmungou qualquer coisa e o pai o levantou, levando-o então no colo. Avançaram com passos vagarosos pela rua deserta em direção ao coração da Queimadinha, sob sombras densas e sob o calor destas noites ardentes do abril feirense. Vi-os desaparecer, impressionado com a delicadeza daquele pai.
Na noite seguinte passaram mais uma vez. Não colheram flores, mas o garoto, que vinha andando com passinhos miúdos, resmungou novamente e o pai outra vez o conduziu no colo. Examinei com mais atenção aquele pai. Pardo escuro, meia-idade, um pouco calvo, trajava uma daquelas bermudas coloridas de surfista e uma camiseta regata típica dos blocos carnavalescos.
Os tempos são sombrios, a ferocidade capitalista e as desigualdades brutais embotam sensibilidades. Mas é encantador perceber que, mesmo assim, há quem cultive a própria humanidade. Falam muito hoje dos “exemplos inspiradores” quando se trata de ganhar dinheiro. Aquele pai anônimo também é exemplo inspirador de cuidado, amor paterno e – por que não dizer – inclinações poéticas.
Mesmo nestes tempos atrozes que vamos atravessando e que não se sabe quando vão findar…
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Show de bola essa estória de André Pomponet ????