A “futurologia” – termo que será aqui utilizado no sentido informal –, quando praticada em público, é perigosa. O futurologista corre o risco de “queimar a língua” e ver os fatos contrariarem suas previsões, principalmente se elas forem registradas em texto. Quando estou posição de escrevinhador de textos sobre política ou outras questões do dia a dia, às vezes faço esse exercício de tentar adivinhar o futuro, mas tomo o cuidado de colocar pouco peso – para fazer um trocadilho bobo. Com “tomo cuidado” quero dizer que evito transformar uma forte suspeita numa afirmação categórica.
Por exemplo: em janeiro de 2018 publiquei um artigo no extinto HuffPost Brasil sobre a nossa eleição presidencial. Eis o penúltimo parágrafo do texto: “Em vez de menosprezar o risco de Bolsonaro ser eleito (nos EUA foram raros os que levaram a sério a possibilidade de Trump vencer), a esquerda (e o centro e quem mais tiver juízo) deveria levar a sério essa possibilidade e trabalhar para construir um caminho em que, mesmo sem Lula, Bolsonaro não tenha
chances de chegar à Presidência da República”. Não cravei a vitória de Bolsonaro, mas o recado foi dado. Infelizmente, eu estava certo. Queria muito ter errado feio.
Mas por que estou falando sobre isso? Explico: há algumas semanas, tive o desprazer de confirmar outro exercício de futurologia feito por mim. Em janeiro de 2020 foi publicado aqui mesmo, neste Blog da Feira, um texto que escrevi sobre a “requalificação” do centro da nossa querida Feira de Santana anunciada pela prefeitura. Nele, eu dizia que “Qualquer pessoa que tenha o mínimo de noção de planejamento urbano sabe que essa ‘requalificação’ que a prefeitura de Feira anunciou não tem a menor chance de dar certo”. Repare que, nessa ocasião, mandei o cuidado às favas: fiz uma afirmação categórica e cravei que o projeto da prefeitura não tinha como ser bem-sucedido. Dito e feito: bastaram algumas chuvas para transformar em realidade o que antes era apenas uma previsão. Nesse caso, minha assertividade foi baseada em fatos do passado e do então presente. A saber: a incompetência do grupo político que está no poder há mais de vinte anos de lidar com água. Simples assim. Feira tem um problema histórico com chuvas, e as sucessivas administrações ronaldistas não fizeram absolutamente nada para tentar resolver esse estorvo.
Na Avenida Senhor dos Passos, poças e mais poças d’água são formadas no novo passeio, quando chove. Na Marechal, os “gênios” que fizeram o projeto conseguiram ter a “brilhante” ideia de incluir um canteiro de grama. Ou seja: em dia de chuva, o pedestre que lute para atravessar o canteiro sem se sujar e correndo o risco de escorregar na lama e sofrer um acidente. Além disso, há pontos nas vias em que o chão já está afundando. E isso para não
falar na desordem que a Marechal se transformou. Antes das obras, pelo menos a bagunça tinha o mínimo de organização. Hoje, quem vive o dia a dia da avenida sabe que sua organização está no nível do “cada um por si e Deus por nós” e do “salve-se quem puder”. Mais uma vez, infelizmente, eu estava certo. O projeto de requalificação, do modo como foi “planejado” e colocado em prática, já nasceu obsoleto, fadado ao fracasso. E não é necessário
nenhum “exercício de futurologia” para saber que quem mais sofre com essa situação é justamente a parcela da população que menos recursos – e menos voz – tem.