Florianópolis é uma punição. Após fuzilar mais de 200 rebeldes federalistas na pequena ilha de Anhatomirim – que abriga uma das três fortalezas que protegem a baía – Floriano Peixoto, o marechal e segundo presidente República-militar, que governou em estado de sítio permanente, teve sua vingança consumada na mudança do nome da cidade em sua homenagem. A epítome da humilhação, covardemente aprovada pela legislatura que temia represálias. Seguiu a prosaica fórmula etimológica grega com o sufixo “-pólis”.
Não é, portanto, de hoje a tradição da cidade em homenagear figuras que mereciam o lugar oposto no registro histórico. E pior, sempre com uma macabra ironia que culmina o ultraje. É o caso recente da medalha Antonieta de Barros concedida à deputada do Ana Campagnolo (PL).
A deputada se proclama antifeminista, associa o movimento que lutou pela expansão dos direitos básicas e da cidadania para metade da humanidade a uma perversão e fez fama após ter sido reprovada em seu mestrado. Alegou perseguição e partiu em campanhas de tolhimento da liberdade de ensino.
Já Antonieta foi a primeira mulher negra a ser eleita deputada no Brasil, em 1934. Nascida em 1901, na cidade já infamemente renomeada, lutava pelo acesso das mulheres à política e pela democratização da educação. A distinção de grandeza entre ambas as figuras não poderia ser mais atroz.
Porém o caso que ganhou as manchetes nacionais nas últimas semanas pela grandiosidade de sua infâmia foi a negação do título de cidadão desta Pólis a Gilberto Gil, gigante que dispensa apresentação. O motivo alegado? Sua condenação por “porte de maconha” quando em apresentação na cidade, em 1976. Pouco depois, a mesma legislatura concederia a agora duvidosa honraria a Luciano Hang, o “Velho da Havan”, completando o ciclo de atrocidade seguida de ultraje.
Gil veio no último domingo (26) a Flops, como apelidou a cidade, em homenagem aos 350 anos da capital insular. Contou a história de sua prisão. A sentença: ser internado no asilo, onde foi “muito bem cuidado” pelas meninas: Maria Aparecida, Sebastiana, Lourdes…
Entregou um espetáculo inesquecível e recebeu do público o título de cidadão honorário. Junto com diversos votos de amor. “O amor é mais difícil do que a morte”, respondeu o mestre.
Na realidade, pouco importam as embotadas homenagens oficialescas e burocráticas. É consenso entre os artistas: mais fortes são os poderes do povo. Talvez não na Pólis, mas certamente em Desterro, ou em Flops.
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